No Poder Legislativo, pela sua grandeza e importância, há uma linguagem própria e solene de tratamento. Partindo-se do pressuposto de que todos os seus membros são figuras do mais alto respeito, o regimento os obriga a tratarem-se respeitosamente, por "excelência". Assim é (ou deveria ser) desde o Senado Federal até as Câmaras Municipais, passando pela Câmara dos Deputados e pelas Assembléias Estaduais. A prática, no entanto, tem se revelado diferente do legalmente previsto. O que se tem assistido ultimamente no Congresso Nacional é vergonhoso. Senadores que, pela definição do parlamento e graças à sua formação e experiência, constituem o poder moderador da República, comportam-se como colegiais ensandecidos. Na semana passada, um senador chamou outro de "palhaço" e este devolveu, classificando-o como "boneca". Foi tão acintoso e ofensivo que a associação dos gays e travestis, reagiu, pedindo mais respeito.

O destempero de senadores e deputados tem sido freqüente nos últimos anos. Especialmente depois que, em vez de estar cumprindo sua função básica, de elaborar, discutir, aprimorar e votar leis, estes senhores e senhoras, em desrespeito ao país e à função, com ações indevidas e baixo palavreado, transformaram os sagrados plenários em verdadeiro distrito policial, botequim, picadeiro, boate, ou... casa de tolerância. Discutem ali as falhas do meio, questões pessoais, corrupção, vida econômica e até sexual dos próprios congressistas. Ameaçam-se, defendem-se e freqüentemente recorrem a auto-impunidade, como ocorreu no episódio dos sanguessugas. Agora, por exemplo, está na ordem do dia o afastamento ou não de Renan Calheiros, o presidente do Congresso que, independente do resultado, está com sua imagem irremediavelmente desgastada e, com sua ação protelatória, só consegue manchar ainda mais todo o alto parlamento brasileiro.

Por conta do desvio da atenção para questões de menor importância ou que deveriam ser apuradas nas esferas policial e judicial, o Congresso deixa de cumprir o seu verdadeiro papel de legislar para a sociedade. Em vigor há quase 20 anos, a Constituição ainda tem grande número de itens que carecem de regulamentação através de lei ordinária. Mas os senhores congressistas não tiveram tempo para elaborá-las. Em vez disso, eles ocupam-se em CPIs inócuas e de independência duvidosa. Existem, também, centenas de projetos apresentados pelos próprios parlamentares, a maioria ligados ao interesse nacional, que dormem por anos a fio nas gavetas de comissões enquanto os interessados aguardam sua votação. Isso causa enormes prejuízos à sociedade.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, de processar parlamentares que a Câmara já havia absolvido no caso do "mensalão" e a esperança de que o mesmo seja feito com os sanguessugas e participantes de outras maracutaias, abrem novas perspectivas ao nosso tão maltratado país. Quando esses assuntos, de natureza policial-judicial passarem a ser tratados nas respectivas esferas, os senadores e deputados poderão voltar a legislar e cumprir aquilo que costumam prometer em campanha eleitoral. E a classe política poderá deixar de ser motivo de raiva e vergonha ao cidadão comum...

Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e presidente da APOMI (Associação dos Policiais Militares do Estado de São Paulo).