Trata-se de uma expressão cada dia mais em voga, essa que utilizei para o título. Todo o mundo sabe o que significa; há, inclusive, variantes mais clássicas que, no final das contas, querem dizer a mesma coisa. Por exemplo: a vaca foi para o brejo. Isso ou aquilo foi para o beleléu. Fodeu de vez. Agora, fodeu. Foi tudo para a casa do cacete. Ou do caralho. Deu merda de vez. Danou-se. Gorou. Tomou no cu de barquinho (essa é realmente velha). A casa caiu. São metáforas, pessoal, metáforas. Acho que é isso. Ou, pelo menos, deveria ser. Porque comigo não foi. Bem, quase não foi. Ou quase foi, sob outros aspectos. Estou confuso, e vou acabar confundindo vocês. Esperem aí, vamos por ordem nesse troço. Não se tratou de uma força de expressão. Eu estava a caminho de casa, lá no início do mês passado. Era o dia do pôquer na residência dos Falavigna. O telefone tocou. Chamava-me Álvaro, o já conhecido Velho Sifilítico. Agitado, foi me dizendo as coisas mais confusas: - André, corre pra casa que a casa caiu. - Como assim, caiu? A polícia está aí e andou fuçando meu jardim? Vocês começaram a jogatina, a dinheiro, sem mim, e os caras apareceram à americana, mandado em mãos, e meteram o flagrante no pessoal? - Não, a casa caiu mesmo, os bombeiros estão aqui, o caralho. Polícia, o cacete. Defesa Civil, engenharia, uma putaria. Tem aí uma bombeira inclusive muito gostosa. - Gostosa como? - Muito gostosa. Mas não se preocupa, não foi sua casa. Foi a do lado. - Bundudinha? Se foi a do lado, foda-se. - Foda-se o caralho, acho que fodeu alguma coisa na sua. E a bundinha parece rija no uniforme. Sempre quis comer uma mina de uniforme de bombeiro. Mas acho que vão interditar sua casa. - Mas e o pôquer? Segura o pessoal aí, só interdita depois que acabar o pôquer, que, aliás, espero, não começou, pelo amor de Deus, né? E a carinha? Tem uma carinha de bombeirinha valente, destemida, sapeca? - O pôquer vai ter, mas acho que os bombeiros não jogam. Não vi o rosto direito. A bundinha é travessa, travessa mesmo. André, você sabe qual a primeira coisa que eu olho numa mulher, né? - A bundinha? - Não. - Sei, os olhos. - Não, amiguinho. É a Vulva. A primeira coisa que eu olho numa mulher é a Vulva. Achei que o caso fosse sério e mandei o táxi se apressar. Como nos filmes. Mas, como na realidade, o taxista me ignorou. Continuou respeitando todas as normas de tráfego e todos os mandamentos da prudência. Sorte que já estávamos a somente duas quadras. Cheguei bem rápido. Uma nuvem de poeira se elevava a altura da cabeça dos socorristas, do corpo de bombeiros, dos membros da Defesa Civil. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Tratava-se de uma casa em demolição cuja obra corria sem alvará de demolição, sem engenheiro responsável e, ao que tudo indica, sem vergonha na cara também. A única coisa que ela tinha era a geminação com a minha casa. Desabou assim que os operários se foram. Imagino a última conversa deles. O da camisa do Corinthians chega para o de boné do Corinthians e diz assim: - Hei, vamo adiantá o bagulio. Vamo tirá esse úrtimo pilar aê. Já tiremo todos e num deu em nada. Tira esse aê pa mode eu firmá de viga lá nu barraco. - Certo, mano. Daí, o de gorro do Corinthians foi lá e tirou o pilar que faltava. Depois, os três foram encher a cara de pinga e acabaram em casa, espancando as esposas. Entrementes, a obra desabou no meio da rua, atirando dois orelhões à calçada oposta. Um deles acabara de ser desocupado. Voou entulho para todo lado. Foi meu pequeno 11 de setembro. Só que em agosto. Mês do cachorro louco. Foi então que o engenheiro da prefeitura apareceu. Começou a analisar profundamente a situação, com ares muito preocupados. Dava umas pisadas fortes no assoalho da minha casa; torcia o nariz; uns piparotes nas paredes; franzia o cenho. Perguntou sobre a idade das rachaduras do provecto e centenário sobrado. Não gostou nem delas, a quem batizou de trincas longitudinais, e nem da idade delas, todas muito tenras. Para falar a verdade, acho que não gostou de nada. Tenho a impressão de que não curtiu a decoração também. Resolveu pôr todo mundo para fora. Interditou a porra toda. A casa caiu. Valentes, ainda jogamos pôquer, por nossa conta e risco, até as seis da matina. Mesmo porque, para formalizar-se esse tipo de risco, há que se contar com a subscrição da fiscalização municipal. Dei sorte. A fiscal responsável estava na formatura do filho e não se fez de rogada: ficou por lá mesmo o quanto lhe veio à veneta. Eu, no lugar dela, teria feito o mesmo. O caso é que, quando a nobre funcionária, simpaticíssima, maternal mesmo, chegou à minha combalida casinha, já íamos embalados lá pelas duas e pouco da manhã. Só estivemos ilegais, portanto, durante umas três horas e meia. Pelo menos quanto ao “habite-se”, claro. Só pude voltar uma semana depois. Os proprietários da casa em obra, contritos, pagaram hotel para mim, para a Jovem Esposa, para meu irmão e sua esposa Petuty e, por último mas não somente, para o Velho Sifilítico, que afinal de contas era meu hóspede. Isso durante uma semana inteira. Não foi de todo mau, mas é muito diferente do que as pessoas imaginam: é muito melhor você morar na sua própria casa, sobretudo quando ela está localizada no Coração do Cambuci Profundo. Nem deu tempo de usar a piscina. Tive que organizar um pôquer no hotel mesmo. Não foi de todo mau, como eu disse. Quando voltei ao calor do meu lar, ele fedia a puteiro amanhecido. Como saímos do pôquer diretamente para o hotel, os despojos da última batalha dormiram lá durante a semana toda. Coisa de vinte cinzeiros repletos, duzentas e cinqüenta latas de cerveja vazias (ou quase vazias, o que é pior), duas ou três garrafas de uísque entornadas e mais a nhaca daquela cambada de viciados na qual orgulhosamente me incluo. A Jovem Esposa, como se pode facilmente imaginar, ficou encantada. Deus queira que aqueles espasmos faciais sejam passageiros. Não lhe caíram muito bem. A moral da história é essa: quando a casa cai, a casa cai. Pouco importa se física ou figurativamente, e em que ordem as quedas se dêem. Caiu a casa porque a casa caiu; se a casa caiu, caiu a casa; quando cai a casa a casa cai; pouco importa mesmo, de verdade. Fica a gosto do freguês. É uma beleza. Vocês nem imaginam. Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.
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