As câmeras digitais tornaram popular a fotografia, arte antes indisponível para a maioria da população que não podia fazer frente aos custos proibitivos dos filmes, das revelações e das cópias. Tiburcinho, menino aplicado na escola, ganhou uma dessas maravilhas tecnológicas no aniversário de quinze anos. A família se cotizou para dar o mimo, uma câmera poderosa com zoom óptico e digital. Ele não cabia em si de felicidade, saiu pelas ruas do bairro fotografando tudo, e depois passou horas retocando no Photoshop. Tiburcinho quer seguir a carreira de espião, para isso estuda com afinco informática e inglês, língua que pretende falar com sotaque londrino. Certa noite, seu Tiburcio levantou-se para ir ao banheiro e ao passar pelo quarto do filho viu que este adormecera deixando o computador ligado. Ao entrar para desligar, tomou um susto com o que estava na tela. A vizinha da esquina, a recatada dona Mercedes, sem roupa, tendo ao lado, também em trajes de Adão, o padre Vitor com cara de sátiro. O homem da igreja parecia enlevado em pensamentos que nada tinham de religiosos. Seu Tiburcio, com cuidado para não acordar o filho, examinou outras fotos, eram muitas, cujo teor não é possível ser revelado nesta crônica por atentar contra os bons costumes. Ele preferiu nem mesmo desligar a máquina, para não denunciar sua presença, entretanto tirou o cartão de memória da câmera e descarregou no seu computador. Desde essa noite ele passou a ir para o escritório logo após o jantar, não se interessando mais pelo jornal do Boris Casoy. Seu Tiburcio passava horas olhando as fotos da dupla pecadora. Que performance! Quem diria que uma mulher com ar tão sonso fosse capaz daquelas coisas, ele suspirava enquanto pensava no aforismo: quem vê cara não vê coração. Distraído com as cenas chocantes, seu Tiburcio, certo dia, baixou um arquivo executável e encheu o computador de vírus. Preocupado, chamou Juvenalzinho, técnico em informática e grande fofoqueiro, para resolver o problema. Para resumir, as fotos foram descobertas e espalhadas pela cidade via e-mail. Um escândalo sem precedentes se abateu sobre o município. Todos passam o dia cochichando. Quando dona Mercedes vai à igreja escuta risinhos em todos os lugares onde anda. A igreja, tudo indica, vai abafar o caso, por ora mandou o padre Vitor para um colégio de meninos, de onde ele nunca deveria ter saído. O padre substituto fez um sermão contundente na missa das onze, a mais concorrida da cidade. Falou contra a tecnologia e contra o denuncismo, essa praga que está assolando a vida do país. O marido de dona Mercedes, seu Cornélio, concordou plenamente quanto ao denuncismo, mas ficou bravo pelo fato do padre não ter falado nas câmeras digitais. Deveriam ser controladas. Bem como os fotógrafos, ele até pensou na criação de um conselho...
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
|