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Crônicas
19/09/2007 - 17h10
A descoberta do humor
Urariano Mota
 

Deve existir alguma relação entre o abismo e o riso, entre a consciência de uma desgraça e a graça. Há indivíduos tímidos que se descobrem de repente humoristas porque começam a falar o pensamento que antes calavam, porque descobriram que nada mais tinham a perder. No limite da queda tornam-se humoristas involuntários, e com surpresa vêem que uma pequena observação desperta gargalhadas à sua volta, quando eles próprios estão com os olhos duros de dor.

Um amigo, que conheço mais do que gostaria, percebeu isso na semana passada. Submetido a exames médicos de rotina, que na sua idade revelam sempre males de rotina, descobriu que possuía o rim esquerdo muito alterado. O médico urologista ao ver as imagens da ultra-sonografia, enrugou a testa:

- O senhor tem uma massa tumoral...

- O senhor quer dizer um tumor?

- Sim. Temos que marcar rápido, sem demora, uma cirurgia.

O mundo então se lhe abriu. Porque, como capítulos de uma novela a que não se pode antecipar o fim, o médico lhe disse que de imediato não podia confirmar se aquela imagem indicava um câncer ("O que ele queria?", me contou o amigo, "que a imagem do meu rim fosse a de um caranguejo?"), que isto só poderia ser dito quando sofresse uma biópsia. E para a certeza do mal...

- Somente com a cirurgia. Ponha já na sua cabeça, programe-se, "eu vou fazer uma cirurgia". É simples, rápido e eficiente. É só uma laparoscopia.

Ao sair do consultório, ele renasceu, se assim podemos dizer. Renasceu, porque do câncer lhe nasceu um insuspeitado humor. A começar por sua mulher, que o esperava na recepção:

- O que o médico achou do exame?

- É só uma laparoscopia.

- O que é isso?

- Uma cirurgia camarada para o meu tumor. Aqui, à esquerda.

- Um tumor?!

- Relaxe, o doutor me disse que eu tenho muita sorte. Ele me ensinou que eu olhasse as coisas pelo lado positivo: eu ainda não estou mijando sangue.

E deixou a mulher em casa e saiu sozinho para se encher de cervejas, sob a desculpa, não de desespero, mas de que sendo portador de um mal nos rins era necessário que se embriagasse de algo muito diurético.

No outro dia, foi ao serviço médico do trabalho. No elevador, suportou o seguinte diálogo entre o pobre do ascensorista e um senhor muito autoritário:

- A doutora fulana de tal, o senhor sabe o andar dela?, perguntava, não, intimava o cidadão classe média ao empregado no elevador.

- É no quarto andar, senhor.

- E a sala, o número da sala, qual é?

- Sala 402, senhor.

- E para que lado fica a sala 402, o senhor sabe?

- O senhor sai aqui do elevador, dobra à esquerda, é a segunda sala.

O elevador pára, abre-se a porta, o importante cidadão sai, sem sequer agradecer. A porta se fecha, e meu amigo ao ascensorista, imitando o tom de voz superior:

- O número do telefone, o peso e a altura da doutora, o senhor sabe?


No atendimento, liga para o trabalho, a fim de justificar a falta naquele dia. Então conta que em virtude do rim inchado, o médico quer passá-lo à faca, na próxima semana. O colega, sem saber o que responder, lhe diz:

- Mas tudo bem, não é?

- Tirando o câncer, tudo ótimo.

- Certo, quero dizer, certo, não... Mas você está tranqüilo?

- Mais, impossível. Eu já estou quase imóvel.

E desliga. Na volta, perdido e sem rumo, a porta do elevador se abre no terceiro andar. Uma senhora velhinha o vê, e exclama:

- Oh! Perdão - e quase a correr - eu vou subir.

E ele, no ato, ao fechar-se a porta:

- Ela parecia que tinha aberto a porta do WC. Em dúvida, eu até olhei para as minhas calças...

Por último e por fim, desse capítulo, do capítulo, assim espera o meu amigo, ele conta o que lhe ocorreu na sala da ultra-sonografia. A enfermeira não conseguia expressar, dizer-lhe o nome. E por isso, gentil, ela perguntou:

- O seu nome é mesmo este?

- Sim, por incrível que pareça.

- Senhor, senhor... eu não consigo, o seu nome é um trava-língua. Seu, seu...

- Aranha arranha jarra jarra arranha aranha.

- O quê, senhor? O senhor é tão engraçado. Respire fundo! Prenda. Solte, devagar. Respire. Solte. Prenda.

O meu amigo me assegura que jamais havia visto o mundo com tanto... humor.


Nota do Editor: Urariano Mota é escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance "Os Corações Futuristas", cuja paisagem é a ditadura Médici. Tem inédito "O Caso Dom Vital", uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.

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