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Crônicas
20/09/2007 - 09h05
Um dia de fúria na Caixa Econômica
André Fiori
 

É por volta de meio-dia de 12 de setembro de 2007. O cenário é a agência da Caixa Econômica Federal na rua Veiga Filho, em Santa Cecília, região central paulistana. Uma fila de gente está sentada nas até confortáveis cadeiras que foram reservadas para quem aguarda atendimento.

Entre umas 11 e aquele horário, os apenas dois guichês para atendimento geral. Passa boi, passa boiada, passam, também, PIS e FGTS. E também clientes preferenciais. Uma quantidade bem grande de velhinhos e uma mãe com seu bebê exercem seu direito, mas eram tantos naquela manhã que provavelmente acirraram os ânimos de quem contava com aqueles apenas dois guichês. E eram só dois, mesmo, naquela agência, sem haver um só outro.

Eis que um homem por seus 30 e poucos, 40 anos começa a conversar com as pessoas da fila:
- Na Alemanha não acontecem essas coisas. Mas aqui no Brasil, o pessoal não se revolta em passar uma hora ou mais na fila, perder horário de almoço etc.

Sua revolta é recepcionada pelos que estão à sua volta. Logo, ele exprime por si a fúria de todos. Solta até umas palavras bem pesadas sobre o que estão fazendo sobre a cabeça do contribuinte e que cada um imagine o ato metaforizado em suas cabeças.
Ele está revoltado e não é por pouca causa não:
- Há 10 anos que a Caixa paga o FGTS e eles não têm um guichê sequer para só pagar isso.

Sim, aquele professor universitário estava como tantos outros esperando para receber seu Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Revoltado por conhecer algo fora da caverna de Platão que é muito melhor do que aquelas pálidas sombras, logo sua raiva chama atenção de uma funcionária que trabalha nos guichês em que normalmente se discutiria o financiamento da casa própria ou investimentos mais elaborados como fundos DI e renda fixa.
Irritada, ela se dirige ao cidadão e logo começa a ouvir o que ele diz:
- Aqui não é banco privado. Quem é dono desse banco sou eu, é você, somos todos nós que pagamos imposto. Isso aqui não é do Olavo Setúbal, nem do Moreira Salles, é do cidadão brasileiro e ele merece um atendimento digno.

Porém, vale lembrar que ela estava irritada e logo solta os cachorros para cima dele. Fala que vai mandar os seguranças o retirarem. Ele responde:
- Respeito o seu trabalho, mas por acaso estou xingando alguém? Eu estou assaltando este banco? Se me tirar, vou chamar meu advogado e processar a CEF.

Logo ele lembra da lei dos 15 minutos de demora no atendimento. E estava com razão, afinal boa parte dos que lá estavam já completavam quase que uma hora sentados. Ele lembra também que quem paga o salário dela é o governo. Apenas erra na natureza de sua função ao chamá-la de funcionária pública, ao que logo ela responde aos gritos:
- Eu sou economiária!!!!!!

Os seguranças assistem à distância aquilo. Afinal, realmente sua conduta não caracterizava delito algum. Aliás, o mesmo lembra de conhecer a Constituição do País. Fala para a funcionária que, sendo filho de alemão e brasileira, na Alemanha não teria essa demora para o atendimento. Ela, esquecendo-se do jus nascendis que vale no País, pergunta por que ele não vai morar na Alemanha. A resposta é de bate-pronto e acaba com qualquer efeito argumentativo dessa modalidade de falácia que seria mais comum de se ouvir de um habitante de cidadezinha bem provinciana para um forasteiro que fala dos maus serviços que aquele município presta:
- Porque meu pai fugiu da perseguição nazista. E de qualquer modo, sou tão cidadão brasileiro quanto qualquer um desta fila, pago meu Imposto de Renda e não estou roubando ninguém.

Ela o lembra que se ele tivesse o cartão eletrônico, poderia tirar o FGTS em 10 minutos e depois, pede ao segurança para tirar aquele senhor. Porém, logo um operário vestindo seu uniforme e aproveitando o intervalo de almoço fala que vai ter de passar por cima dele se quiser tirar o docente de lá.

Logo a confusão se forma e até o gerente da agência vai lá. Revoltado de tudo, o professor se levanta e vai embora, falando que todos deveriam ir embora de lá para ver se em uma semana a CEF não disponibilizaria mais guichês.

A semente está plantada e logo todos falam de por que aquela agência não disponibiliza mais guichês que apenas aqueles dois, que mesmo que estivessem preenchidos, não dariam conta da demanda. O painel chama o número 798, mas a última senha retirada é 905.

E lá está o gerente ouvindo as queixas daqueles todos. Chega um senhor judeu com seus dois netos, todos ortodoxos. Tem uma conversa serena com aquele gerente. Explica que já foi trabalhador de empresa pública e que a Caixa deveria disponibilizar mais guichês. Poderia mudar o layout da agência justamente para disponibilizar mais espaços.

Alguém lembra do complicado termo que a funcionária revoltada disse. O gerente educadamente responde que todos lá são regime CLT. Sim, realmente "economiária" não é algo que qualquer um lembraria de bate-pronto se não for trabalhador do setor, e muito menos ela poderia enquadrar o professor por desacato a autoridade. O senhor judeu, na mesma serenidade e semblante pacífico, relembra dos tempos em que foi bancário:
- No Banco da Amazônia tinha uns dez guichês. Em horário de pico, até o gerente ia para os guichês e ninguém demorava muito tempo na fila.

Logo, uma mulher que esperava na fila, mais outras pessoas, lembram também da maneira rude com que foram tratados em outras ocasiões por aquela funcionária. O gerente, educado, lembra que nem todos agem da mesma maneira.
O operário uniformizado questiona o gerente sobre tanta ousadia frente ao escândalo corrente:
- Se fosse o Renan Calheiros que estivesse à frente dela, será que ela ia chamar o segurança?

Risos surgem no ambiente e os já atendidos saem da agência, provavelmente desejando não ter de enfrentar o pesadelo de novo. Em tempos: economiário é tudo aquilo pertencente ou relativo à Caixa Econômica. Ou as pessoas que trabalham nela, que são CLT e, portanto, não constituem legalmente autoridade pública que o possa levar para a cadeia por desacato.


Nota do Editor: André Fiori é jornalista, ex-revisor das revistas UM e Corpo a Corpo Professional, ex-editor de conteúdo dos sites das revistas Náutica, Mergulho e Pesca Esportiva. Fez e faz frilas para a revista Quatro Rodas e o jornal Agora São Paulo.

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