Na manhã ainda sem sombras, num vagaroso adágio entre vapores, o sol vaza um olho mínimo por sobre a montanha. Espia com astúcia e cautela o mundo que lhe apetece e, em breve, vai assaltar sem clemência. Há por toda parte uma promessa de incêndio mas, por ora, apenas um rubor aquenta a realidade e é, assim, humilde, que ele atravessa a vidraça da joalheria para reverberar seu esplendor entre preciosas gemas. No brilho do fausto, o sol se mostra avaro: quer tudo, e nada lhe recusa o toque morno, aliciante. No entanto, diante do ouro, estaca, empina a crista do orgulho, mas nem intimida esse que lhe devolve o assombro. Não se tocam, portanto, apenas avaliam o fulgor em recíproco silêncio e na mais completa imobilidade, sem nada concederem um ao outro. Quanto mais se observam, mais cegantes tornam-se suas flamas. Manhã plena. Mulheres de roupas caras apinham-se frente à vitrine para assistir o espetáculo: no auge da soberba, os dois incandescem além da têmpera e formam um só halo - coroa volátil de dois soberanos. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
|