São cinco horas da manhã. Vários pontos da extensa cidade litorânea já estão repletos de pessoas que, mesmo aleatórias devido ao sono matinal, correm pelas ruas para evitar um transtorno dentro do horário cronometrado, desde o momento que levantaram da cama. Perder o ônibus fretado, que leva esses passageiros para mais um dia de trabalho na maior metrópole do país, seria o mesmo que enfrentar a movimentação da rodoviária, dispensar um dinheiro extra e ainda enfrentar o mau-humor do chefe que, ao ver o funcionário entrar, solta um sonoro "boa tarde". Para fugir das estatísticas de desemprego e assim garantir uma vaga no mercado de trabalho, tão restrito atualmente, muitos brasileiros são obrigados a enfrentar, diariamente, as dificuldades de "viajar" cerca de duas horas para chegar ao escritório. Isso sem contar quando são vítimas de possíveis acidentes na estrada, comboios e outros problemas que têm como conseqüência até mais de cinco horas sentados e com a esperança de que possam logo estar no aconchego do lar e da família. Há aqueles que lêem livros ou ouvem música para evitar pensar no tempo gasto todas as manhãs e noites para chegar em casa. Outros assistem a filmes trazidos pelos companheiros de viagem; há, ainda, aqueles que preferem rir e conversar no fundão do veículo, para o desconforto de quem necessita de um pouco de silêncio após oito horas de labuta. Alguns se transformam de colegas de fretados a amigos de uma vida inteira. O ônibus vira palco de festas, sejam juninas ou até mesmo de aniversário. Estranho para quem escuta, divertido para os que fazem dessa odisséia um momento de diversão. A correria é o principal transtorno enfrentado pelos "caiçaras". Pois não se pode negar que a vantagem de ir de uma cidade a outra está na excelente estrutura dos ônibus, o oposto do que ocorre com os paulistanos que, muitas vezes, demoram ainda mais para se locomover dentro da capital, em pé, espremidos e até mesmo pendurados nas portas. A vantagem está em esperar bem menos tempo no ponto, caso perca o ônibus costumeiro após sair do trabalho. Já os passageiros de fretado ficam reféns do relógio e muitas vezes mal-dormem ou terminam uma tarefa depois da cinco da tarde com a aflição de ter que enfrentar outro ônibus ou o metrô lotado da Estação da Sé com filas intermináveis e um empurra-empurra animalesco. Ao sair de casa, às pressas, Júlia é interrompida pelo porteiro do prédio onde mora: - Você vai trabalhar? A garota, sem entender o motivo daquele questionamento, reponde, com um tom óbvio: - Sim, claro! Júlia não entendeu o significado daquela conversa, já que todos os dias saía cedo em direção ao ponto e depois a São Paulo. Porém, ao cruzar o segundo quarteirão, refletir sobre a pergunta do funcionário e olhar no relógio, compreendeu a situação: - Ainda são 3h30 da madrugada, meu Deus, o que faço na rua a essa hora?! Voltou para casa, cochilou e depois saiu novamente rumo à sua jornada diária. A situação de Júlia seria repetida por muitas pessoas durante toda a semana. Os questionamentos no ambiente de trabalho eram constantes. Você mora em Santos? Sobe e desce todos os dias? Porque não vem morar aqui? O que poucos sabem é que nem sempre mudar de cidade, seja sozinho ou com a família inteira, é compensador para o bolso ou até mesmo para a qualidade de vida encontrada para aqueles que têm a sorte de poder dar um passeio à beira-mar para esquecer as dores de cabeça sofridas durante o dia. Avenida Paulista, Estação Conceição, São Judas, Centro. Todos esse lugares já estão acostumados a abrigar esses trabalhadores. Nos dias de chuva, a certeza do atraso. É o momento de adiar compromissos e perder a primeira aula da faculdade. Nos de sol, a tranqüilidade de saber que poderá aproveitar um pouco mais a noite, até a preparação para o dia seguinte. Assim vivem os que buscam dar continuidade à sua carreira, mesmo que para isso tenham que abdicar de horas de sono, compromissos sociais e andar sempre em função dos passos dos ponteiros do relógio. Nota do Editor: Lyne Christina é jornalista.
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