Na rua que cerca o mercado, algumas pessoas se arvoram em pegar restos de comida deixados do lado de fora pelos comerciantes. Lá dentro a fartura de alimentos impressiona, especialmente os estrangeiros. São bancas coloridas, que reúnem de frutas e verduras a produtos artesanais e até pequenos animais. É o Brasil: farto, exótico, desorganizado e grande. Os pobres voam em cima dos restos de folhas, cascas e polpas podres que sobram dos carrinhos e caixas de madeira. Ignorados por completo, a não ser quando, como se fossem moscas incômodas, são afastados pelos carregadores. A cena não chama a atenção de quase ninguém - só eu passo a rir daquilo, tamanha é a confusão na calçada. Senti não ter na mão uma câmera para registrar o momento em que a aglomeração é mais intensa. É quando chegam novas caixas cheias, que são jogadas ao lado do caminhão que vai levá-las - fico sabendo mais tarde - para os porcos. Afasto-me ao dobrar a esquina e pouco depois subo no ônibus que leva a outra região da cidade. Em um bairro de classe média, entramos em uma avenida arborizada e larga. O trânsito flui normal até o alto da reta. Mais à frente, uma camionete da polícia. As armas colocadas para fora da janela. Em seguida, surge outra, e mais outra, e mais outra. Tudo pára, apenas a polícia se movimenta, enquanto ouvimos o som das sirenes. Os policiais parecem estar em um filme, olham para todos os lados, exibem as armas, enfim, aquela encenação toda. Na seqüência, dois caminhões-baú, escoltados, fazem a curva e seguem, seguros. Dentro do nosso ônibus, o silêncio é quebrado pelo motorista: "Esses ’caminhão’ tão abarrotado de dinheiro até a tampa!". O cobrador emenda: "Tudo barra de ouro" E o motorista: "Barra de ouro é uma boa que dá para derreter!" A conversa deles distrai: - Vou sumir por uns tempos, vender devagarinho... - Eu vou pro meio do mato, comprar uma fazenda. Olho para trás, quando duas senhoras idosas dizem para os rapazes não esquecerem de ajudá-las, depois do tal assalto. "Reza para a gente", ele diz, sorrindo. Não perguntei, mas, acho que esse tipo de conversa, de idéia, partindo de pessoas como um cobrador e um motorista, em pleno horário de trabalho, e de duas senhoras, com ar distinto e bem-humorado, refletem o estado de indignação das pessoas com o que acontece no Brasil. Escândalos na política, assim como é um vexame ver gente atacar caixotes com resto de comida, no país que se auto-proclama potência agrícola. Além do mais, sempre é possível xingar, esbravejar, reclamar, ou mesmo fazer graça, como os caras do ônibus e as duas vovós. Nota do Editor: Marcos Alves é jornalista.
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