Notícias da família. Carta enviada pelo vírus da hepatite C ao seu primo, o vírus da hepatite B Querido primo, Por pura falta de tempo, estou em falta com você sem enviar notícias da família. Você sabe que não é nada fácil ser o patriarca de uma família com mais de quatro milhões de parentes morando neste imenso Brasil. Mas vamos lá contar como andam as coisas da família. Gosto de chamar de família porque "facção" é uma coisa de criminoso, de traficantes de drogas, por isso acho pejorativo que nos chamem de HCV, podem confundir com o Comando Vermelho. Sabe, foi uma boa os nossos antepassados terem escolhido o Brasil para se radicar. A vida aqui é muito fácil, praticamente ninguém te incomoda, o governo não se preocupa com a gente e, assim, vamos levando uma vidinha tranqüila. Hoje, orgulhosamente, nossa família é uma das mais numerosas do Brasil. As coisas já foram melhores. Hoje a nossa reprodução está mais difícil porque os jovens da nossa família não gostam muito de sexo. Sempre fomos chegados a uma praia, em especial à Praia Vermelha, por aqui chamada de Banco de Sangue. Era nela que a gente se reproduzia facilmente, mas alguém teve a péssima idéia de passar a controlar a entrada e desde então a família está ficando velha e com poucos nascimentos. Ainda por cima os empresários, com sua ânsia de lucros, acabaram com aqueles instrumentos que eram reutilizados e passaram a vender material descartável, desta maneira, também, perdemos alguns meios de transporte que ajudavam nossa reprodução. Mas nem tudo é notícia ruim. Afortunadamente conseguimos eleger uma boa bancada política e isso nos ajuda a indicar algumas "otoridades" que colaboram com a gente. É por isso que falei que a vida no Brasil é fácil para nossa família. Esses indicados políticos gostam de nos agradar, vivem falando que estarão realizando campanhas para nos punir, mas na realidade elas nunca são levadas a cabo. Até hoje essas "otoridades" nunca realizaram nenhuma ação para nos identificar, saber onde residimos ou nos reprimir. Como as "otoridades" não falam da gente os brasileiros nem sabem que nossa família existe. E isso é fundamental para nossa família sobreviver sem sobressaltos, sem resistência das "otoridades". Meu primo, está chegando o momento de discutirmos sobre nossas aplicações financeiras. O momento é ótimo para comprar ações de funerárias e cemitérios. O nosso sucesso familiar está conseguindo muitos fregueses para este tipo de negócio o que vai fazer subir as ações. Bom, aguardo sua resposta me contando como anda a coisa com sua família. Pelo que vi nos jornais a sua família continua crescendo, me conte como você está conseguindo isso. Com carinho, Seu primo vírus C * Meu querido primo vírus C, Foi uma grande alegria receber suas notícias. Vivemos em mundos diferentes desde que nossos antepassados ao emigrar para o Brasil se radicaram em outras regiões. Meu avô achou que a Amazônia, o sul do Espírito Santo, o oeste de Paraná e Santa Catarina seriam o futuro do Brasil, mas talvez por esse motivo a nossa família acabou mais pobre que a sua, e hoje somos o primo pobre das famílias hepatos. Muitos da sua família tiveram sorte e hoje a família C tem membros nas altas rodas. Bom, pelo menos minha família gosta de sexo, e gosta muito! Tal é assim que continuamos a crescer loucamente. A cada dia a família aumenta. Os nossos inimigos que deveriam ser as "otoridades" também são nossos parceiros, atuam como uma milícia das diversas facções que hoje dividem o Brasil (Hepatites, Dengue, Malaria, Tuberculose, Hanseníase, Aids etc.). Eles têm uma arma terrível que poderia dizimar nossa família, mas nem sequer a sabem empregar. A munição enferruja nos seus quartéis e muitas vezes acaba perdendo eficácia por vencimento de seu prazo de validade. Para ter eficácia essa arma deveria ser disparada no braço de todos os jovens brasileiros, dando três tiros certeiros, mas, praticamente, menos da metade dos que estão na fase de vida sexual ativa foram atingidos. Isto facilita muito nossa reprodução e por isso a família continua crescendo. Acho que a visão deles está ruim, pois o nome da arma é "vacina", mas eles interpretaram "vacila" e desde então estão vacilando na sua aplicação. Na Amazônia já temos regiões onde nossa família representa 26% da população. Já temos número suficiente para eleger políticos em todos os níveis, mas preferimos manter nosso pacto com as "otoridades" motivo pelo qual não fazemos barulho para que a população não reclame e eles fiquem em silêncio, mudos, omissos, sem nos combater. Achei ótima sua sugestão de comprar ações de funerárias e cemitérios. Vou falar com as "otoridades" responsáveis por nos combater, pois isso também vai ser um bom negócio para eles. Se enchermos rapidamente os cemitérios os colegas deles que trabalham na economia e na previdência irão agradecer, já que estaremos reduzindo o número de pacientes atendidos no SUS e a quantidade de aposentadorias que deveriam pagar será bem menor. Sinto-me orgulhoso de poder trabalhar para reduzir os gastos do Ministério da Saúde, o déficit da Previdência e, assim, ajudar o governo no superávit fiscal. Meu primo, sabe que pela omissão das "otoridades" já temos muitos casos de parentes que estão casando entre eles, unindo vínculos, inclusive com as outras facções. No inicio eu até que era contra, mas descobri que isso facilita o crescimento não somente da nossa família, mas de todas as facções rivais, as quais, por vínculos de sangue deixam de ser rivais e passam a trabalhar juntas, em perfeita harmonia. Os nomes ficam complicados, hoje temos parentes com sobrenomes como HIV/HCV; HIV/HBV/HCV e até HIV/HCV/Tuberculose. O curioso é que os filhos nascem bravos, briguentos, deve ser por algum problema no sangue que os torna mais agressivos. Isso está fortalecendo nossas fileiras, pois estamos ganhando guerreiros invencíveis, verdadeiros soldados guerreiros. Parece que estamos copiando o governo e aceitando qualquer um para compor a base aliada de sustentação, conseguindo manter a nossa maioria. A união faz a força e a "otoridade" estará cada vez mais acuada, sem nos controlar, nos outorgando total liberdade para crescermos em paz, já que os vínculos de interesses são tantos que dependem de nosso silêncio para eles ficarem encastelados nos seus cargos, recebendo seus salários, viagens, diárias e demais mordomias. Temos que fazer um monumento a nossos ancestrais pela visão que tiveram quando decidiram se radicar no Brasil, uma terra que como falou Cabral "se plantando tudo dá". O crescimento das nossas famílias comprova isso. Esperando encontrá-lo em breve, desejo muita saúde a toda sua família. De seu primo, o vírus B.
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