O velho sai da loja de apostas com sorriso de proprietário. Pudesse, gritaria pelas ruas que sentira na nuca o bafio da fortuna e, amanhã (sim, já amanhã!), terá dentes de novo, nova boina de feltro, apetites de sátiro. Mas ainda não pode. Deve aguardar pelo resultado do sorteio que o favorecerá. Porque o favorecerá. Poderá, então, comprar o conforto de chinelos de couro alemão e uma bengala de lorde com cabo de marfim. Por ora, a fortuna é segredo. Só amanhã dirá aos amigos e repartirá, talvez, com os mais queridos parte do quinhão para que também eles possam insultar com fausto e deleites uma vida inteira de privações. Agora entra no boteco e bebe cerveja em goles sem prazo, enquanto adula no bolso o bilhete do acaso com dedinhos de seda e de veludo. Apalpa com cautela e fica ali procurando um polpudo maço de dinheiro. Mas não é pra já. Por ora, bebe e sorri de si para si como quem viu passarinho verde e nada pode revelar, que isso quebraria o encantamento. Amanhã, no entanto, revelará aos amigos o que, hoje, só ele sabe. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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