Li pela primeira vez o ASSIM FALOU ZARATUSTRA aos dezessete anos e desde então leio e releio, não apenas este livro, mas toda a obra de Nietzsche com freqüência. Do impacto inicial, seguido de encantamento, passei a ter uma crescente visão crítica do autor e de sua obra. Uma parada sensacional que fiz foi ler e reler e ler novamente os SEMINÁRIOS SOBRE ZARATUSTRA, de Jung, que serviram para me esclarecer a lógica interna do livro e mostrar que o mesmo brotou das fontes abissais da psique, situando a obra dentro da biografia do filósofo bigodudo e louco. Foi, de fato, uma obra de inspiração. Esta parada, todavia, retardou-me a dar o passo subseqüente para perceber o que é ZARATUSTRA: um anti-evangelho, uma mensagem do Mal, a imitação mais maléfica que Satanás poderia fazer do mais belo texto no Novo Testamento, o Evangelho de João. O alargamento dessa compreensão correta da obra de Nietzsche passou pela leitura da magnífica obra de Thomas Mann, DOUTOR FAUSTO, a biografia romanceada do filósofo na qual ele aparece na encarnação de um músico que faz pacto com o Diabo para alcançar a glória da poesia/música. Este livro é comovente e aterrador, pois mostra como um homem pode se entregar ao Maligno voluntariamente para ter delírios de grandeza e, ao fazê-lo, praticar a servidão ao Mal em todas as suas dimensões. O livro de Mann é aterrador porque não tem redenção: a dramática confissão de Adrian Leverkühn ao final não serve para o perdão dos pecados. Deixa de ser confissão para ser um mero relato das maldades praticadas. Ele então desaparece sem receber a misericórdia divina, em oposição ao enredo de Fausto, de Goethe, que redime seu personagem pela graça de Deus e pela intercessão da Virgem Maria. Thomas Mann aponta corretamente a responsabilidade direta da obra de Nietzsche sobre os acontecimentos da Alemanha no período nazista. Os pecados de Leverkühn eram os pecados de toda a gente e a derrocada pessoal do personagem era o espelho da derrocada de seu país. O epílogo é a danação sem consolação alguma. E foi assim o epílogo para aquela geração insensata, que pereceu em grande parte pelas guerras. Desde o título o ZARATUSTRA é uma paródia satânica do Evangelho de São João. Podemos ler na oração sacerdotal de Jesus (uso a tradução da Bíblia de Jerusalém): "Assim falou Jesus" (Jo, 17,1). Não há qualquer originalidade na cópia, como se vê. Mas o ponto é que o anti-evangelho de Nietzsche perpassa cada uma das falas de Cristo e vai além no seu rosário de maldades e mentiras. Quando fala do amor ao próximo e da suposta "estultice dos compassivos", quando fala da castidade, do casamento, dos sacerdotes, do Além (trasmundos), da suposta realidade do corpo em oposição à inexistência do espírito. E, sobretudo, quando fala do Superhomem em substituição ao "homem novo" cristão. Essa paródia demoníaca só poderia acabar no banho de sangue nazista. Lamentavelmente a maior parte dos jovens que lêem o ASSIM FALOU ZARATUSTRA pela primeira vez nunca leram nada da Bíblia e muito menos o Evangelho de São João, nesses tempos de incultura bíblica. Se o fizessem poderiam dar-se conta de que estão diante de uma paródia difamante e se algo resta de beleza na linguagem selvagem de Nietzsche dá-se pela enorme beleza do texto que é tomado para produzir a paródia. Todo ZARATUSTRA é uma iniciação com sinal trocado, um descenso, um mergulho no reino infernal do qual tristemente Thomas Mann pôde constatar que não há ali esperança alguma. A esperança é para o cristão, não para aqueles que abraçam explicitamente a sua negação. Em todos os escritos de Nietzsche essa obsessão pela paródia e pela negação do cristianismo está presente. Seu último livro intitulou-se ECCE HOMO, expressão relatada no Evangelho de São João quando Pilatos apresenta Jesus, já convencido de sua inocência, aos sacerdotes que pedem o seu sacrifício. Cristo veio falar do Bom e livrar-nos do Maligno. Ele escreveu um livro chamado PARA ALÉM DO BEM E DO MAL, como se isso fosse possível. E um outro chamado O ANTI-CRISTO. E outro chamado AURORA, um novo começo. Tudo a mais rasteira das mentiras. Sem esquecer do satânico GENEALOGIA DA MORAL, a inversão de todos os valores do cristianismo. Muitos acham que Nietzsche, ao denunciar o Estado como o novo ídolo, teria algum parentesco com as idéias de liberdade. Santa ignorância! Se o Estado pode ser um instrumento maléfico da maior eficácia, pode ser também um elemento de ordem em benefício do Bem. Se o Estado for administrado pelo Faraó idólatra é um mal, mas se tiver no comando um homem de Deus, como José do Egito, é um bem. Isso Nietzsche não poderia aceitar. O Superhomem teria que viver na anarquia ilhada do atomismo, como se fosse um deus a vagar sobre a Terra, um caçador de homens em oposição aos pescadores de almas cristãos. Não há qualquer vestígio de liberdade (ou liberalismo) em Nietzsche, mas essa obsessão doentia para negar a verdade da Revelação, a ordem, o que de mais sagrado a humanidade pôde aprender e acumular durante sua longa jornada desde a origem. É Nietzsche o Negador na acepção do termo. O Maligno feito homem. Daí seu poder hipnótico para aqueles que o lêem sem estar revestidos da couraça do Espírito. É um veneno para a alma. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro (www.nivaldocordeiro.net) é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL - Associação Nacional de Livrarias.
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