A fidelidade partidária foi, judicialmente, estabelecida. Aquilo que os políticos não foram capazes de decidir na Constituinte, nem em quase 20 anos de atividade após sua promulgação, foi executado pelo Supremo Tribunal Federal. A partir de agora, quem mudar terá de devolver o mandato, que pertence ao partido e não ao eleito. Embora aplaudida pelo presidente Lula, a definição legal-comportamental mereceu sua crítica por ter sido feita ao longo de um mandato e não antes das eleições, para que os eleitos soubessem previamente as regras. Chefe do balcão de negócios em que foi transformado o Congresso Nacional, o presidente, evidentemente, não deve ter gostado da decisão mas, como não é conveniente falar contra, preferiu a critica temporal. A classe parlamentar brasileira precisa abandonar o vício de deixar para depois as decisões importantes e de agir casuisticamente. A Constituinte e o Congresso deveriam ter definido claramente sobre a fidelidade, não deixando a questão em branco, como fizeram. Isso facilitou que os governos negociassem com parlamentares e os retirassem das posições político-ideológicas que defenderam para conseguir o voto do eleitor. Senadores, deputados (federais e estaduais) e vereadores, amparados pelas brechas legais, “venderam” suas posições originais em troca de benesses que podem ser para suas regiões ou - o pior - para si próprios ou seus apaniguados. Os políticos em geral precisam se conscientizar de que exercem a atividade por delegação do povo, que lhes deu os votos. Não podem dispor do mandato como se fosse mera moeda disponível ao “quem dá mais”. A mudança de partido, muitas das vezes, leva um eleito da oposição para a situação. Essa guinada de 180 graus, com certeza, não representa o pensamento daqueles que os elegeram. Portanto, constituiu-se numa descaracterização da representação, até mesmo em traição ao eleitorado. É bem verdade que, muitas vezes, as direções partidárias também não respeitam os estatutos e os princípios ideológicos do partido, gerando mal-estar entre os filiados. Isso se dá em função da fraqueza dos partidos políticos brasileiros, usados somente como ‘cartórios’ para a viabilização das eleições. Agora, com a força adquirida através da fidelidade, as direções devem ter a sensibilidade suficiente para não “engessar” os filiados através de decisões de caciques. E os detentores de mandato, já que não podem sair, têm de ser conscientes de seus direitos e deveres, além de organizados para, sempre que necessário, mudar a direção partidária relapsa, descumpridora do estatuto ou caciquista. Se todos agirem com ética e responsabilidade, a fidelidade servirá para construir grandes partidos e normalizar a nossa estabanada atividade política. Com o estabelecimento da fidelidade, temos tudo para tornar mais decente a vida partidária. Fortalecidos os partidos, deixarão eles de ser meras peças da cena eleitoral, tornando-se partícipes do processo político. Seus filiados deverão encará-los como agremiações permanentes e serem vigilantes quanto à possibilidade de falcatruas por parte dos dirigentes. E, finalmente, como ficará mais difícil fazer negociações para descaracterizar o resultado das eleições, os governos também deverão desmontar o “balcão de negócios” que enoja o povo e mancha a cena política nacional. Os negócios desse balcão são pagos com o dinheiro publico, que deveria ser aplicado em obras e serviços para a população, jamais na cabala de votos de congressistas. A democracia brasileira é carente de aperfeiçoamento. A fidelidade pode nos levar a partidos realmente existentes. Oxalá não se encontre outras fórmulas para continuar enganando o povo... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e presidente da APOMI (Associação dos Policiais Militares do Estado de São Paulo).
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