10/09/2025  19h22
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Opinião
12/10/2007 - 07h12
De boas intenções...
João Luiz Mauad - MSM
 

Há pelo menos dois anos, minha mulher se recusa a assistir ou, sequer, escutar um discurso do presidente Lula na TV. Toda vez que ele aparece, ela troca o canal, aperta o “mudo” ou simplesmente sai da sala. É tarefa das mais difíceis, e eu diria quase impossível, pois o homem parece onipresente. Para onde quer que o controle remoto aponte, lá está ele com seu ar solene, seu gestual de mestre-sala, sua voz rouca e sua língua presa a nos brindar com suas indefectíveis bobagens, sem falar das costumeiras agressões à gramática, algumas das quais machucam nossos ouvidos sem piedade.

Masoquista que sou, resisti até bem pouco tempo. Não que eu seja fã do indigitado, longe disso, mas achava que não podia alienar-me do mundo em que vivo. Mal ou bem, pensava eu, o homem é o presidente desta bagunça aqui e não dá para ignorá-lo. Hoje, reconheço meu erro. Quanta irritação eu teria poupado, quanta bobagem eu teria evitado, enfim, quanto stress inútil eu me impus por ter sido tão teimoso...

Bem, mas não era exatamente sobre o molusco que eu queria falar. Só lembrei dele para reportar uma de suas recentes bazófias que serviu de inspiração para estas mal traçadas linhas. Disse ele, não exatamente com estas palavras, que o dever de todo governante deveria ser “cuidar do povo”. E, para encerrar com chave de ouro, arrematou: “nunca antes na história deste país, um governante cuidou tão bem do povo quanto eu”. Depois dessa, não me restou outra alternativa senão alistar-me no exército dos que, em prol da sanidade mental, procuram evitar, a todo custo, as abobrinhas e platitudes do analfabeto nº 1 do Brasil.

(Digressiono: dizem que a esquerda francesa está em campanha para tentar convencer os veículos de comunicação daquele país a evitar o nome “Sarkozy” durante 24 horas. Alegam estar havendo, por lá, um certo culto à personalidade, devido a superexposição do homem na mídia. Se a moda pega, nós brasileiros precisaríamos de, no mínimo, um ano de abstinência para curar o povão do porre personalista).

Volto à vaca fria. É claro que, na boca do Cefalópode, qualquer bobagem fica, digamos, um pouco mais irritante. O fato, entretanto, é que não é só ele quem pensa ser obrigação do governante “cuidar do povo”. A maioria dos nossos políticos acha que as pessoas são absolutamente incapazes de cuidar de si mesmas e precisam que o Estado as proteja, principalmente dos gananciosos bichos-papões capitalistas. Para isso, dispõem de um arsenal bélico poderosíssimo: o poder legiferante.

A mentalidade paternalista independe da esfera de governo. No Rio de Janeiro, cidade onde moro, por exemplo, o prefeito e os vereadores são extremamente ciosos da sua obrigação de defender os cidadãos das garras dos tubarões. Vira-e-mexe, somos brindados com leis absolutamente estapafúrdias e contraproducentes, quando não perniciosas aos próprios consumidores. Vejamos alguns exemplos.

A lei do pãozinho: sob o argumento de que algumas padarias estariam fabricando o pãozinho francês (50 gramas) com peso menor que o indicado, baixou-se uma lei que obriga os estabelecimentos a vender o pão “a quilo”, e não mais por unidade - padrão adotado desde priscas eras. O raciocínio por trás desta aberração pressupõe que o consumidor é incapaz de defender-se, por exemplo, trocando de padaria, caso note algum suposto “encolhimento” no tamanho do pãozinho. É óbvio que o tiro saiu pela culatra. A R$ 0,15 por unidade, uma dona de casa, com família de seis pessoas, que levasse R$ 0,90 na bolsa tinha certeza de que sairia da padaria com meia dúzia de pães. Hoje, caso a fornada saia com um peso unitário um pouco superior, os mesmos noventa centavos só darão para 5 unidades e algum troco. Se o dinheiro é contado (caso da maioria dos brasileiros), na melhor das hipóteses esta dona de casa terá pela frente a ingrata tarefa de dividir cinco pãezinhos em seis partes iguais.

A lei dos saleiros: Aqui no Rio, seja qual for o restaurante ou lanchonete que você freqüente, dos mais sofisticados aos mais populares, não encontrará mais saleiros, nem os tradicionais frascos de ketchup e mostarda sobre a mesa ou balcão. Esteja o amigo num pé-sujo qualquer ou num caríssimo bistrô e precise de algum sal ou pimenta extras, sua única opção serão aqueles xexelentos saquinhos de papel. A tal lei que determinou a extinção dos saleiros, pimenteiras etc., tinha em vista proporcionar ao consumidor um ambiente mais higiênico. O problema é que, como diz o velho adágio, de boas intenções o inferno está cheio. “Resolveram” um problema e criaram, pelo menos, outros dois. Primeiro, o desperdício. Caso o usuário precise de menos sal ou mostarda do que o conteúdo de um saquinho ou dois, o excedente irá, inexoravelmente, para o lixo. A sobra de um consumidor é ínfima, de fato, mas se pensarmos em centenas de milhares de comensais diários, dá para perceber que o desperdício é considerável. O segundo aspecto negativo é o ecológico. Além do volume adicional de lixo (as embalagens de ketchup e mostarda não são biodegradáveis), não podemos esquecer que os saquinhos de papel pressupõem a derrubada de árvores. Será que os “verdes” foram consultados antes da promulgação dessa lei? Não creio. Afinal, deviam estar por demais ocupados com os efeitos das “mudanças climáticas antropogênicas” sobre os destinos da humanidade.

A lei das marquises: Por conta do precário estado de conservação em que se encontravam, andaram desabando por aqui algumas marquises. Pior, com vítimas fatais. Pronto! Em pouco tempo, o nosso diligente e autoritário prefeito baixou um decreto determinando que as novas construções não poderiam mais ter marquises. (Este é o tipo do sujeito que, chamado a estudar soluções para o alto índice de acidentes automobilísticos, seria capaz de sugerir que se proibisse a venda de carros). Não preciso lembrar ao amigo leitor que a obrigação de fiscalizar o estado das marquises é da própria prefeitura que, evidentemente, não cumpriu o seu papel. O que chama a atenção em tal decreto, no entanto, além, é claro, de seu viés arbitrário, é o fato de o Rio de Janeiro ser uma cidade com clima quente, sol escaldante e, last but not least, chuvas intensas e repentinas. As coberturas em balanço são, portanto, recursos arquitetônicos extremamente úteis, e a maior prova disso é que, lá atrás, no início do século passado, um outro prefeito, provavelmente bastante autoritário também, fez uma outra lei - diametralmente oposta a atual - obrigando as novas construções da época a possuir marquises. Mais um pouco e, não duvidem, em prol da estética os burocratas vão querer determinar a cor de nossas casas e edifícios.

Lei dos 30 minutos: Há duas semanas, se tanto, uma diligente vereadora, cujo nome agora não recordo, fez passar uma lei na assembléia municipal determinando, pasmem!, que as entregas em domicílio, realizadas por restaurantes, pizzarias, lanchonetes etc., não poderiam demorar mais do que 30 minutos, a partir do momento da encomenda telefônica. Não é fantástico? Acho que vou propor que se erga uma estátua em homenagem àquela senhora, em frente à Câmara, para que a patuléia jamais esqueça de que, um dia, em pleno século XXI, alguém foi capaz de propor uma lei dessas e, pior!, aprová-la junto aos seus pares. Por tratar-se de algo tão evidentemente esdrúxulo, pouparei os meus dezessete leitores de comentários econômicos sobre o tema, porém convido-os a tentar imaginar quê inusitada situação poderia ter levado a nobre representante do povo carioca a propor esse disparate. Eu, por exemplo, apostaria minhas fichas na inquebrantável irritação que o atraso de uma pizza dominical qualquer possa ter provocado na diligente senhora, a ponto de fazê-la jurar, do alto da sua edil autoridade, que aquilo jamais voltaria a repetir-se...

O mais triste disso tudo, no entanto, é constatar que os políticos, no afã de defender-nos dos comerciantes, construtores, padeiros e outros gananciosos capitalistas esquecem-se de que a sua principal atribuição é defender-nos justamente daquele que é o pior de todos os prestadores de serviço e para o qual, infelizmente, não temos alternativa no mercado, pois nossos pagamentos a ele não são atos de escolha voluntária, mas impositivos.


Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "OPINIÃO"Índice das publicações sobre "OPINIÃO"
31/12/2022 - 07h25 Pacificação nacional, o objetivo maior
30/12/2022 - 05h39 A destruição das nações
29/12/2022 - 06h35 A salvação pela mão grande do Estado?
28/12/2022 - 06h41 A guinada na privatização do Porto de Santos
27/12/2022 - 07h38 Tecnologia e o sequestro do livre arbítrio humano
26/12/2022 - 07h46 Tudo passa, mas a Nação continua, sempre...
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.