O Brasil vive um momento econômico pontual. O aquecimento do mercado internacional do etanol provocou grande corrida de agricultores rumo à produção de cana e de industriais na montagem de destilarias. Tudo isso, porém, deve ser encarado apenas como o começo de um processo que pode dar muito certo ou muito errado, dependendo do encaminhamento. Cultivada rudimentarmente para abastecer os engenhos coloniais do nordeste, a cana experimentou grande expansão no século passado, notadamente a partir do final da II Guerra Mundial, quando o álcool foi utilizado para complementar a gasolina escassa. Nos últimos anos, São Paulo era detentor de 50% da produção nacional. O cultivo e a indústria modernizaram-se mas, a atividade ainda apresenta gargalos que poderão atrapalhar na internacionalização do produto. Os principais mercados exigem o produto de qualidade e elaborado por meio lícito, sem agressão ambiental, nem sofrimento humano. A massificação do plantio exige uma política séria, que evite a mera substituição das atuais áreas cultivadas com grãos e outros alimentos pela cana. Há que se exigir a contrapartida, onde quem quiser cultivar cana se comprometa a continuar produzindo alimentos, ainda que em outra área. O mundo precisa do etanol, mas não pode abrir mão da comida! No modelo ainda vigorante, a cana é cortada manualmente por trabalhadores nem sempre bem equipados e cujo regime de produção extenua e chega a levá-los à morte precoce. Para o corte manual, a cana é queimada, provocando problemas ambientais às comunidades próximas aos canaviais e, seguramente, dá sua parcela de contribuição ao aquecimento global. Todas as interrogações colocadas sobre o sistema de produção sucro-alcooleiro brasileiro, muito bem monitorado nos últimos anos pelo Ministério Público (Federal, Estadual e do Trabalho) constituem-se em armas que os adversários internacionais do produto brasileiro poderão utilizar quando o nosso produto fizer frente aos seus interesses. Para evitar esse risco, temos de fazer correções o mais rápido possível. E o momento é agora. Toda ampliação já deve trazer canaviais preparados para colheita mecanizada. Os empregadores devem seguir rigidamente a legislação trabalhista para afastar a imagem de trabalho semi-escravo ou desumano ainda encontrado em alguns pontos. E as autoridades precisam estar atentas para evitar que a alta na tonelagem de cana determine a queda na produção de alimentos. Em paralelo à euforia daqueles que fazem expandir os canaviais no Estado de São Paulo, temos visto algumas atitudes que direcionam para a normalização do setor e a eliminação de seus pontos predatórios. Em Jaú, outrora grande produtor de café, hoje dedicado à atividade canavieira, a Justiça Federal emitiu liminar que proíbe a queima do canavial para o corte. A blitz de fiscalização trabalhista também tem atuado junto às lavouras para garantir condições mínimas de conforto e segurança aos trabalhadores do corte. E até uma parcela dos produtores já investe na mecanização da colheita e aproveitamento dos atuais cortadores para tratos culturais e outras atividades no campo. Todas as restrições que se vêm impondo ao setor devem ser compreendidas e respeitadas. Primeiro, porque tornar o ambiente melhor é dever. Mesmo com a avidez do mercado internacional pelo etanol a ser queimado no lugar do petróleo, nosso produto tem de ser "política e ecologicamente correto", oferecendo ganhos ambientais no seu consumo sem nunca provocar os mesmo problemas na sua cadeia produtiva. Se não for assim, a qualquer instante poderemos enfrentar o boicote e não ter para quem vendê-lo. Aí, em vez da redenção, será a derrocada econômica brasileira. O mercado internacional é sério, exigente e... perverso. Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e presidente da APOMI (Associação dos Policiais Militares do Estado de São Paulo).
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