Ela era matemática. Bacharel. Fez aquela faculdade difícil, pela qual ninguém passa sem sofrer. Cálculos, estatísticas, experimentos de docentes que vivem para comprovar algo. E este algo nem sempre interessa assim, tanto. Na época da faculdade, secou, era comum que a víssemos abatida, o cansaço a saltar-lhe os olhos. Aí passou. A formatura, paga em várias vezes, a realização da mãe, a admiração da família do namorado. E veio o aumento. Agora seriam novecentos reais. E ainda havia o vale transporte. Refeição não, afinal em cada escola o turno era apenas de seis horas. Na hora de preencher o cadastro, não colocou que eram três as escolas. Pra que? Não dariam mesmo o vale-transporte. Isso é responsabilidade de cada instituição. Talvez cada uma pudesse entrar com trinta por cento dos vales, ou dez por mês. Nem pensou sobre o assunto, já sabia como funcionava. Trabalhava no ensino público desde o tempo de estudante. Nunca reclamou. Nunca deu um suspiro. Continuou a tomar dois ônibus pra ir, dois pra voltar, em três turnos. Fez pós-graduação em economia. Agora já poderia enviar currículos aos bancos. Teve vontade, passar com novecentos contos estava cada vez mais duro. Se inscreveu. Foi morar com o namorado, já que a grana não dava pra casar. No momento, não era assim tão importante. Agora era aluguel, água, luz, mas enfim havia o vale-refeição, que ajudava. Depois da pós, passou a ganhar mil e cento e quarenta e três reais e setenta e dois centavos, com os descontos. Ao todo, lhe sobravam mil. Até que no contexto, deu uma ajuda. Além de matemática, bacharel e pós-graduada, era uma bela moça. De grandes olhos azuis e rosto de quem decididamente não vivia com novecentos reais. A aparência contribuiria para a vaga no banco, afinal bancos costumam pedir boa aparência. Saiu o edital. Ela se inscreveu, fez os testes, passou. O namorado ficou feliz, jantaram juntos, ele a convidou para ir a um restaurante caro. O primeiro degrau de uma escada, que enfim começavam a subir; o começo da vida melhor que eles tanto mereciam. No dia de se despedir de seus alunos, falhou. Pela primeira, constatou que a sala de aula era sua única possibilidade de realização. Ali transformava o mundo em um lugar infinitamente melhor. E para ela, aquilo bastava. “Um país que desrespeita seus professores nunca saberá o país que é.” Nota do Editor: Gabriela Cuzzuol é jornalista, professora de literatura e pós-graduanda em Jornalismo Cultural pela PUC-SP.
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