Diante da aparente invencibilidade do crime que, a cada dia, se apresenta mais violento e aterrorizante, a população, órfã de lideranças e sem esperança, para se sentir segura, necessita de ídolos, algo em que possa confiar e, até, proteger-se. Lançado nesse terreno fértil, o filme "Tropa de Elite" virou febre nacional e suposto modelo de solução no combate à corrupção e à violência, que grassam Brasil afora. É a muleta da vez. Seus personagens são vistos como paladinos do mesmo quilate daqueles que Hollywood e outros centros cinematográficos produzem de tempos em tempos para a velha discussão da luta vitoriosa do bem contra o mal. Essa idolatria aos métodos violentos, atribuída na fita ao BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), merece a mais detida reflexão das autoridades. Demonstra, no mínimo, que o povo já não vê a solução pacífica dos problemas, acreditando que para não morrer tem de matar. Pode levar à institucionalização da violência como imperativo da ordem pública, com sérios danos à sociedade e ao futuro do próprio país. As autoridades têm de atuar no controle eficaz à explosão que se desenha bem próxima no horizonte nacional. No Rio de Janeiro - cenário do filme - vive-se há muito o regime de pré-guerra civil, com zonas da cidade controladas por facções criminosas, milícias e grupos que podem ser considerados como a "máfia" brasileira. Em proporções pouco menores, mas não menos atuante, a violência também se faz presente em São Paulo - onde o PCC barbariza - e em outros centros importantes, onde todos os dias ocorrem mortes decorrentes de divergências entre grupos de criminosos ou de latrocínios, balas perdidas e outros acontecimentos anti-sociais. O povo não agüenta mais ver tanta violência e ouvir as autoridades dizendo que tudo está sob controle ou que "há muito não vivíamos um momento bom como este". A insegurança e a desesperança levam a população a "adotar" outros protetores e, com isso, o Estado perde e a sociedade naufraga. O nível de deterioração hoje reinante em todo o país, notadamente nos grandes centros, exige mais do que a simples ação dos governos, que ao longo dos anos já demonstraram sua incompetência e falta de vontade política para o enfrentamento da crise. Não pode o governo federal ficar de costas para o caos só porque certas ações são de competência estadual, nem o Estado só esperar do federal. Assim como a própria sociedade organizada deve colaborar e pressionar exigindo solução, não ficando alheia como se tudo fosse só tarefa de governo. Chegamos a um ponto onde todos unem suas forças, ou não se pode mais prever o futuro. No meio policial costuma-se dizer que "a polícia do cinema é uma e a polícia de verdade é outra". Com raras e previsíveis exceções, os paladinos das telas resolvem os problemas e tudo termina bem, com a vitória do bem sobre o mal. Na vida real, nem sempre é assim. Se o bem não estiver adequadamente estruturado, vence o mal e este torna-se cada dia maior. A obra do diretor José Padilha e sua equipe é louvável por conduzir à reflexão forte do caos da segurança pública brasileira. Mexe com as massas a ponto de provocar discussões das mais variadas e aplausos ao final de toda exibição no cinema. Mas toda essa movimentação deve ser compreendida, analisada e encaminhada rumo à paz, não à guerra. Alguém tem de dizer, especialmente à juventude, que a violência não deve ser combatida com a violência, mas com a firmeza da autoridade e métodos que garantam ao cidadão as condições mínimas de viver em comunidade, para que possa trabalhar, estudar, divertir-se e progredir Do contrário não haverá razão para se viver... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
|