O que é um ponto de cultura? Muitos já se fizeram essa pergunta: as redes de comunicação de massa brasileiras parecem não saber do que se trata. Pasmem: não sabem, porque não querem saber! É mister informá-las, visto a informação ser seu forte, que se trata de desdobramentos práticos do programa denominado Cultura Viva, do governo federal, que visa difundir e resgatar as mais variadas manifestações culturais do Brasil através de manutenção e apoio (e não da criação) de iniciativas populares organizadas, cujos objetivos e fins próprios se coadunem com tais premissas. A meta é tornar culturas, na acepção mais comum do termo, tidas como desvalorizadas ou pouco divulgadas, auto-sustentáveis. Isso implica naquela velha fórmula, já desgastada, "não dar o peixe, mas ensinar a pescar". Ora, tivemos a oportunidade de visitar dois desses pontos de cultura em Pernambuco. Ambos, sem uma sede própria e sem meios ou recursos para realizar tudo a que se propõem. Assim mesmo, de pé, "pescando", sem vara ou molinete, mas com as botas de cano alto que os protegem das intempéries. Auto-sustentáveis? Não senhor. Mas por que não? Eles mantêm as suas atividades, em parte, pela valorização da chamada cultura da boa-vontade, ou seja, o voluntariado e, em parte, pela atuação da garra e da disposição dos seus membros, em cujo presente encontra-se refletida uma história de lutas homéricas pela não sujeição e pela negação do servilismo. Então, vem o Estado e decide que vai "emancipá-los". Tudo muito bonito, no discurso. A prática, todavia, remete a entreveros de toda ordem. Os convênios entre a esfera federal e as instituições não vingam, até aqui. A verba não alcança a mão dos "pescadores", em tempos de escassez de peixes, fica o dito pelo não dito. Promessas pontuam o imenso lago represado, que se tornou a nossa cultura engajada na realidade. Por outro lado, os nossos paladinos da justiça e da informação (leiam-se redes de comunicação de massa) preferem comprar os peixes já embalados e prontos para o consumo, sem a mínima preocupação com a origem e o veio onde proliferam e são "pescados". É a lógica de mercado em melhor estilo: importa o que o público demanda, mas não os meios de atingir tal demanda. Em outras palavras, a procura por bens culturais não alcança o "pescador", porém, enriquece o atravessador, o intermediário, aquele que possui o "verniz" para encobrir a peça de arte ou a parafernália eletrônica para "mixar" conteúdos nascidos na, e para, determinada comunidade, que acabam se perdendo e se tornando uma triste lembrança de festas do folclore e feiras de ciências das escolas em geral. Chegamos a um complexo ciclo vicioso cultural: a sociedade só demanda o que lhe é perceptível, acessível, e apenas lhe é acessível o que ela mesma estipula como dentro do seu alcance e conveniente às suas próprias demandas. Os veículos de comunicação de massa não fazem por onde mudar este paradoxo, apenas o aprofundam, na medida em que oferecem "pescados", dos melhores, e esquecem os "pescadores". Tornamos, portanto, aos pontos de cultura. Ao Estado cabe favorecer através de convênios os verdadeiros responsáveis pela nossa diversidade cultural, pela nossa pujança de danças e ritmos, isto é, os "pescadores de promessas". Pensamos, entretanto, que apenas um programa como o Cultura Viva, de cunho emergencial e de importância infinitesimal, dadas as atuais circunstâncias, não basta. Programas governamentais, desse naipe, são imprescindíveis. Não obstante, é preciso que a própria comunidade brasileira tome consciência de suas origens e da importância do resgate de sua memória afetiva e rizomática. Isso se faz, ao nosso ver, através de uma mediação mais eficaz entre os pontos de cultura e a sociedade. E, em última análise, essa mudança ocorre por intermédio da Educação. Onde a máquina burocrática do MEC emperra, o aparato disponível e o efetivo do MinC deveriam ser imediatamente acionados. É inegável a necessidade premente de levar manifestações culturais, não consideradas pelas grandes mídias, para dentro dos grandes templos de saber e formação de cidadãos, quais sejam, as salas de aula, no sentido mais amplo do termo. Nota do Editor: Marcos André Carvalho Lins é bacharel em Direito formado na Universidade Federal de Pernambuco e ocupa o cargo de Técnico Judiciário Federal no TRT - 6ª Região (Pernambuco), sendo também escritor diletante.
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