Manhã no jardim, a corola da gérbera pulsa. Seu radar emite polens da mais absoluta urgência. E a resposta não tarda. De fato, de algum lugar progride o rumor roufenho, quase gutural, do besouro. Expectativas se adensam na véspera do grande encontro e o bater de asas abala tudo o que, até então, se mantinha sutil. Logo em seguida, por trás da folhagem, ele surge inteiro. Vem xucro, ruivo, estabanado, mas com patinhas de veludo: intui o sítio das delícias onde vai pisar. Pousa, afinal, cauteloso como um noivo na iminência das núpcias e seus pêlos se eriçam hirsutos, impossíveis já de tanta eletricidade. Ele não resiste a pétalas que se abrem cordiais e com igual gula, sem nada pedir em troca, sem nada obstar. O besouro se adorna, então, da corola. Fricciona-se inteiro na gema dourada até alourar-se como um namorado de domingo, inspira o hálito de oferta que a gérbera desprende, suga a umidade de estames e pistilos. Embriaguez na hora das libações. Assim, aos poucos, ele se acalma e quase adormece sobre os polens que vai, em seguida, distribuir pelo jardim. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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