Infligir dor para educar uma criança não é exercer a autoridade
Ao dizer não aos castigos físicos e humilhantes impostos às crianças, o Brasil dará um grande passo no processo civilizatório de nossa sociedade, juntando-se a países como Suécia, Finlândia, Dinamarca, Noruega, Áustria e Alemanha que já aboliram essa prática cruel e covarde. Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei que prevê o respeito aos direitos da criança e do adolescente de não serem punidos fisicamente - mesmo que de forma moderada e sob o pretexto "pedagógico" - não se tratando "todavia, da criminalização da violência moderada, mas da explicitação de que essa conduta não condiz com o direito", bem como, é a base para a construção de uma cultura da paz e da não-violência. Sabendo-se que a lei, por si só, teria pouca força para mudar nossa cultura machista (do poder pela força física e autoritária) e "adultocêntrica" (os filhos são vistos como propriedade dos pais) traz grande esperança a campanha "Não bata. Eduque" que, através de grandes veículos de comunicação, impregnará a consciência coletiva dos males que esse modo de "educar" acarreta na formação moral do indivíduo e de suas conseqüências nas relações da sociedade. Entre tantas razões para abolir o uso da "violência pedagógica", me bastaria o ditado "quem bate para ensinar ensina a bater", no qual fica lógico que no tapa, no beliscão, no empurrão, os pais estão dizendo aos seus filhos que conflitos se resolvem com violência. Num viés mais "científico", Piaget aponta, quanto à evolução moral da criança, que até 10/12 anos o indivíduo respeita as regras pelo controle externo imposto, porém, a partir dessa idade, irá comportar-se de acordo com suas regras e com os valores construídos até então. Portanto, o "tapa pedagógico" não cumprirá mais seu objetivo de contenção e o jovem irá responder com o que aprendeu: violência. Infligir dor ou humilhação para educar uma criança não é exercer a autoridade inerente e obrigatória dos pais e, sim, a falência desta. A criança que apanha e é humilhada em casa tem forte tendência a repetir esse comportamento na escola, sendo autores de bullying (atitudes agressivas, freqüentes e sem razão aparente contra colegas), tema ao qual nos dedicamos a pesquisar e a promover seu combate através do Projeto Diga Não ao Bullying. "Não bata. Eduque" e "Diga Não ao Bullying", eis aí ações concretas que, além de diminuir o sofrimento de crianças e jovens, contribuem de forma efetiva e de longo prazo para a diminuição da violência, grande anseio da sociedade moderna. Nota do Editor: Mário Felizardo é Oficial de Proteção da Infância e da Juventude do Poder Judiciário e Coordenador da ONG Diga Não ao Bullying.
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