Tem dias em que nada dá certo. No final dos anos sessenta eu trabalhei numa revista em que o diretor de redação não era das figurar mais populares. Descontente com a equipe vivia ameaçando com uma equipe alternativa que, segundo ele, seria mais eficiente e mais barata do que nós, um bando de incompetentes. Naquela tarde o assistente do departamento pessoal, que era fanho e comia os erres, entrou exultante na redação gritando passa alho, passa alho, passa alho... Nós sabíamos que ele não era fã da turma, muita gozação, mas também não podíamos imaginar que ficasse tão contente com a ordem dada ao DP. Durvalino Peixe, o diretor de redação mandou demitir todo mundo. - "Vou trazer a minha equipe". Daí os gritos do Fanho, passa alho, queria dizer passaralho, mas com comia os erres, saía passa alho. Nesse mesmo dia, os dois assistentes que trabalhavam na arte Xuxu e Zeca, dividiram uma pedra de LSD ao meio. Zeca dissolveu a metade dele em Fanta laranja, deixou o copo na cozinha e foi atender um chamado. O contínuo japonês que estreou naquele dia encontrou o copo, examinou o conteúdo e tomou, imaginando que ia deixar alguém louco de raiva. Tomou, sem saber que estava ingerindo meia pedra de ácido, fortíssimo, uma bomba. Quando estava voltando para a redação o ácido bateu, no mesmo instante em que o Fanho gritava passa alho. Todos estavam pasmos. O biltre tinha mesmo coragem! Nesse estado de ânimo, ninguém queria conversa. O Japa, em plena trip, perguntou: - O que é para fazer com o alho? Ninguém respondeu, a pergunta pareceu brincadeira fora de hora, como íamos saber que ele estava viajando? Sem resposta ele continuou: - Ele está mandando passar alho, onde ele quer que o alho seja passado? Outra vez não houve resposta, estavam todos absortos no desemprego, ninguém se deu ao trabalho de dar atenção àquele japonês chato? Ele insistiu, desta vez aos gritos: - O cara manda passar alho, eu pergunto onde é para passar o alho e ninguém responde. Exijo uma resposta. Tonico, que tinha pavio curto, mandou o japonês comprar muito alho, réstias de alho, subir na mesa do diretor de redação, tirar a roupa e esfregar no corpo. Para dar sorte. Doidinho, ele fez exatamente o que foi mandado. A turma, quando viu o cara pelado, se acercou e começou a bater palmas. Animado o japonês, situado muito além de Bagdá, começou a dançar de forma frenética. As coisas iam nesse rumo, festivo-neurótico-nervoso, quando o dono da revista acompanhado da mulher e da filhinha de quatro anos entrou na sala. Fez-se um brutal silêncio, todos se afastaram, menos o Japa que continuou rebolando doidão, com uma réstia de alho nas mãos. Por alguns instantes deu até para ouvir pensamento, depois veio a exclamação sincera: - Pinto pequeno! A menininha foi a única com coragem de dizer alguma coisa.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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