Por um amplo corredor de luzes, ainda úmido das primeiras águas, ele chegou sem pertences e um olho vazado. Na certa, vira demais. Na certa, cegara-lhe o êxtase. Ainda assim, logo reconheceram: era o poeta. Vinha de outra viagem com novas palavras. Pediram-lhe, então, mais histórias para organizarem um acervo inaugural, uma saga, uma lenda que os explicasse. Urgia algo para dar identidade a todos: um nome. O poeta reuniu os seus à volta da fogueira, descalçou as sandálias e, enquanto mergulhava o pão na tigela de açorda, contou-lhes tudo o que sabia, mas ainda era pouco. Queriam... queriam... uma rima, por exemplo. Prometeu-lhes, então, viajar mais, ousar maiores alturas e arriar até onde a vertigem submetesse. Afinal, que outra missão, se apenas ele podia tornar o real? Assim, apesar de só duas asas para tanto céu, o poeta voou. Atravessou o impossível, tocou as franjas do infinito e, na subida de um abismo, esbarrou no suicida, que caía. Viajavam em sentidos opostos, mas com igual preocupação no olhar: a de encontrar uma rima no final. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de São Paulo e da Folha de S. Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
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