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Crônicas
07/11/2007 - 17h04
Ser idoso, sábio ser
Keli Vasconcelos
 

Dia desses, no ônibus lotado, onde a vida passa de lampejo, vi um senhor. Tinha em punho um cano de PVC repleto de furos e em cada espaço um saquinho de algodão-doce. Ora azuis, ora rosas, o doce era chamariz de criança, porque continha bexigas vazias e uma máscara de personagens da moda. ’Da hora’, como declamam os jovens com suas gírias prematuras. De longe pareciam nuvens tingidas em um céu de colorir.

Percebi que estava ofegante, suava mais que garrafa de água recém-saída do freezer. Febril, nervoso. Demoraram a conceder um lugar. Tiveram que expulsar o engraçadinho que fingia dormir no assento de cor amarela, destinado - por direito - a este público. O velho senhor sentou-se agradecido.

Vi que não tinha o dedo indicador da mão esquerda. Seu jaleco era azul como os doces que carregava e certamente desceria num ponto próximo do parquinho. Não tinha os dentes da frente e era surdo dos dois ouvidos. Pode ser meu caro, uma sandice, mas era verdade e em verdade digo: aquele idoso "comeu o meu juízo".

Seu olhar era turvo. Acho, pensava eu a cada solavanco do veículo, que ele não refletia sobre nada. Cansaço e esse ar anestesiante do ônibus impediam-no de pensar. Ou não. Refletiria que em vez de ir ao parque para comercializar poderia levar os netos; que a aposentadoria daria para ter uma vida sossegada de um cidadão comum, tão quão melhor que nos tempos em que trabalhava e não teria necessidade de submeter-se a isso.

Minha mente fomentou até que ele enfrentara horas a vender seus doces com sol a pino por pirraça mesmo. Aquele senhor era do "Teimosos Futebol Clube" e não quer depender dos outros. Fiquei maravilhada quando conclui que o senhor seria do grupo dos guerreiros e não dos vencidos.

"Os olhos do idoso incomodam", uma senhora me disse uma vez. É justo. Ofendem porque enxergam além, mesmo que este além não pareça tão perto. Tão próximo de nossas pupilas. Era o que começa a enxergar no castanho daqueles olhos. Um passado calejado de futuro incerto. Um ’quê’ de tristeza em meio a alegria infantil e efêmera do algodão-doce. Adoça o amargo dessa vida cheia de incertezas e ainda que por longos segundos, buscamos o pingo de alegria.

E nesse incômodo, abri meus olhos e o velho sábio já não estava em seu assento amarelo.


Nota do Editor: Keli Vasconcelos é jornalista. Atuou em rádio, assessoria de imprensa, editora e revistas, inclusive para o público idoso, em especial como freelancer. Busca oportunidades de trabalho com brilho nos olhos...

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