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11/11/2007 - 18h09
Um Sertão bem diferente
Ana Luíza Nogueira Santos
 

Em 1939, no Sertão da Quina, bairro tranqüilo, tranqüilo até demais, em uma casinha de pau-a-pique e barro, com teto de palha e chão de terra batida, nascia José, mais à frente conhecido com Zeca Pedro. Já com 7 irmãos mais velhos, José foi o penúltimo filho de Anativa e Pedro, um casal simples que vivia humilde e honestamente.

Hoje o bairro possui as mais variadas tecnologias, pois até aqui a globalização conseguiu chegar, um lugar que mais parecia uma tribo indígena, longe de tudo e de todos, sem conexão com o centro da cidade de Ubatuba.

Com sete anos, José ia ao seu primeiro dia de aula. De pés no chão, camisa gasta e calça remendada, José e seus irmãos enfrentavam córregos e rios para chegarem até a escola, que ficava no bairro da Maranduba. Com muita coragem e determinação, conseguiam chegar até a pequena escola, já com as paredes amarelas descascando e janelas com vidros quebrados.

Hoje em dia há facilidade para tudo. Se precisar ir até o centro da cidade tem um ponto de ônibus na esquina. Há quem possua maior renda financeira e que possa conduzir seu automóvel para onde quiser.

Na sala apertada e abafada, a professora pedia para o primeiro aluno ler a frase do livro. Gaguejando e suando frio, Manuel abriu a boca pequenina e soltou as primeiras palavras:

- Es-se é o Ts-tu. Tatu Ta-tá.

Passou para o segundo aluno:

- Esse é-é o Ta-a-tu. Ta-tu Tatá.

E assim foi até chegar em José, sentado com seus irmãos nas últimas carteiras. Bastante esperto, José logo percebeu que a frase era a mesma para todos. Então soltou triunfante:

- Esse é o Tatu. Tatu Tatá.

- Muito bem! - a professora sorriu.

José ficou feliz e a aprovação da professora o incentivou a ir a escola todos os dias, apesar da dificuldade que enfrentava diariamente.

Apesar do difícil acesso aos estudos, José e seus irmãos estavam dispostos até de passar pela água gelada do Rio da Laje nas manhãs congelantes de inverno.

Mesmo com o fácil acesso à informação, aos estudos, à notícia, acesso ao mundo, pessoas ainda desperdiçam sua vida fazendo coisas desonestas, roubando, praticando a violência, traficando drogas...

Mesmo com condições até de fazer uma boa faculdade, pessoas estragam seu futuro fazendo coisas ridículas, como o caso da empregada doméstica espancada por estudantes de classe média.

Há muitas oportunidades hoje em dia, mas há quem às veja passar bem à frente e tem preguiça até de estender o braço para agarrá-las. São pessoas mimadas essas, acostumadas com a facilidade de hoje. Não dão valor ao que possuem, mesmo que isso seja apenas o amor da mãe que sofre ao ver seu filho acabar com o próprio futuro. São pessoas mimadas essas, mimadas pela vida.

Como não havia merenda na escola, José e seus irmãos levavam em uma sacolinha, peixe assado com farinha de mandioca. Comiam no mato, aos cantos dos pássaros e chacoalhar das árvores, pois na escola não havia espaço. O cheiro do peixe sempre atraía algum esfomeado e mesmo com pouca quantidade de comida, José não negava se algum colega lhe pedisse um pedaço.

Egoísmo é algo que acontece com freqüência no mundo todo. Se todos tivessem simplicidade e compreensão, como José tinha dos seus colegas, talvez estivéssemos vivendo em um mundo diferente. Se todos tivessem humildade e generosidade para ajudar ao próximo, mesmo que sem condições de sustentar a si mesmo, não haveria tantas pessoas morrendo de fome. Se deixassem seus luxos de lado e parassem para pensar nas pessoas que passam por dificuldades, nossos "irmãos" que estão morrendo, talvez não existissem mais guerras.

Saindo da escola José ia à praia onde encontrava seu pai pescando, coisa que acontecia com freqüência. Chegou a comer peixe assado sem sal e até camarão cru.

Quando José tinha apenas treze anos, seu pai morreu, mas ele não desistiu da vida e continuou na batalha, mesmo parando de estudar na terceira série, pois só tinha até essa séria naquela escolinha.

Certo dia, Janjão, seu irmão mais novo o estava incomodando, José foi paciente, mas com a cabeça quente ameaçou um chute. Sem querer o chute acertou a boca do estômago de Janjão.

- Papai! Papai! O Zé chutou o meu "estambo"!

Com vontade de rir e ao mesmo tempo com medo de apanhar, José saiu correndo pelo mato, e o seu pai com uma varinha verde na mão foi atrás.

Com 14 anos, José calçou seu primeiro sapato. Seus pés acostumados a andar sobre pedras, terra e espinhos, estavam tão largos que só foi possível colocar sapatos nº 42.

Em 1966 começou a trabalhar na prefeitura, na cidade. Seguia de caminhão, que fazia lotações, pois ainda não havia ônibus por aqui.

Com 27 anos, José se casou pela primeira vez, casamento esse que não deu certo, mas dele nasceram três filhos sadios e bonitos.

Quando tinha 49 anos, conheceu Dilma, mulher encantadora e mãe de uma filha de 15 anos. Com seus filhos com quase a mesma idade, eles se deram muito bem. Se casaram e moram no Sertão da Quina até hoje, um Sertão bem diferente do Sertão antigo, um bairro em que as suas filhas de 16 e 17 anos nem imaginam que chegou a existir.

Ana Luíza Nogueira Santos, 17 anos.

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