Aquele rapaz alimentava o sonho de fazer um jardim nascido da escuridão, da inexistência completa. Por isso mesmo, nada de comprar grama sintética, nem mudinhas de plantas e flores. Tudo seria plantado desde o início, desde a semente. Foi assim que o jardim começou. Com o tempo, as sementes miúdas começaram a brotar. Elas vivificaram! Foi preciso muita água jorrando para nutrir cada palmo de chão. Foi preciso afofar a terra, adubá-la... Mas foi preciso algo mais. Foi preciso o esforço hercúleo de amar o jardim sem nem mesmo tê-lo ainda. Precisou-se amar e se dedicar à idéia, ao sonho, como se ele fosse certeza, como se ele fosse verdade... Foi assim que o jardim começou. Precisou também de uma ansiosa expectativa. E a gente que passava em frente ao futuro jardim, em sua maioria, desejava-o intensamente. Era o olhar da criança pura que clamava: "apareça, jardinzinho!"; era o suspiro da moça apaixonada que pedia pelo jardim como pedia um beijo enamorado. E a natureza, a cada dia, respondia com um pequeno e moroso espetáculo: uma florzinha fechada aqui, um raminho acolá, uma raiz que escapulia por ali... Foi assim que o jardim começou. Demorou muito para que surgissem as primeiras falanges floridas e perfumadas. Foi como se séculos se arrastassem para que a grama, enfim, assomasse extensa e toda verdejante. Aparentemente, transcorreram milênios para que os pássaros cantarolassem enquanto se aninhavam. Demorou muito, como demoram os grandes sonhos arquitetados. Foi assim que o jardim começou. Até que um dia nasceu uma florzinha curiosa. Uma rosa toda azul, imagine! E do primeiro azul surgiu ao lado outro tom de azul e, logo ali à frente, um segundo tom e, mais adiante, um terceiro tom e outro e outro mais e... da noite para o dia todo o lugar azulou! Foi assim que começou o jardim azul. Da grama às frutas, das flores às abelhinhas... azul. Tudo azul! Ninguém sabia o motivo. Até que um dia vieram dar um recado. Uma moça bonita (a mais bonita) havia passado certa vez em frente ao jardim e pensou como seria bonito um jardim cheio de tons de azul. Essa moça era a Primavera, que não sabia medir desejos. Foi assim que começou o jardim azul: com a Estação das Flores imaginando um sonho maior (e mais belo) que os sonhos de todos os sonhadores daquele jardim. Nota do Editor: Fábio Pereira é cronista e produtor de TV. Estudante de jornalismo, é membro do Conselho Editorial do jornal Correio Paulistano, título histórico, de 152 anos de fundação, onde mensalmente assina a coluna Cronicando, redige os Editoriais e é o criador da seção Mídia em Pauta, espaço dedicado à discussão sobre jornalismo. Escreve quinzenalmente crônicas para a coluna Rascunhos Paulistanos, do jornal Itaquera em Notícias, e é autor do blog jornalístico-literário chamado SOGRIPA!.
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