Por pouco não vi os lindos olhos verdes da morena que passava, em contraste com a vista cinza e o ritmo lento da viagem. Por pouco deixei de comer um filé à parmeggiana suculento, cancelado em cima da hora por causa de uma reunião que mais tarde revelou-se inócua e desimportante. Por pouco fico adiando uma viagem para visitar gente que não vejo há muito tempo e tenho saudade. O tempo me falta e a distância nos separa, inapelavelmente. Por pouco esqueci de pagar a conta na data e agora isso virou assunto no café. Nem a paisagem na janela é capaz de salvar aquela manhã, prenúncio de um dia cheio de afazeres e de raros prazeres. Por pouco não vejo minha filha dançar. Compromissos de trabalho e distância são realmente muito pouco se comparados à graça de vê-la trocar passos delicados junto com as outras meninas. Por pouco escapo de ser atropelado ao atravessar a rua movimentada. Não deu tempo nem de assustar. Por pouco não sou infectado por um vírus. Perigo invisível, sem cheiro, cor, forma, assustadoramente desconhecido e silencioso. Por pouco não sou o primeiro a chegar na festa, o último a sair do carro, o único a levantar a mão. E surge na mente o poema de Pessoa que diz "...viver não é preciso". Para lembrar que às vezes, as melhores e as piores coisas da vida acontecem quase por acaso. Nota do Editor: Marcos Alves é jornalista.
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