Depois de anos sob regimes qualificados como ditaduras – umas menos outras mais – sanguinárias, a América do Sul viveu um período de democracia praticamente inquestionável. O povo conseguiu eleger seus novos líderes e até depor os dirigentes que não deram certo, como o argentino Fernando de la Rua, derrubado da presidência no panelaço e na pedrada, em dezembro de 2001. Em alguns países, especialmente na Argentina e no Chile, parte dos que cometeram excessos ou corrupção nos regimes de exceção foi parar até na cadeia. No Peru, o ex-presidente Alberto Fugimori está preso e responde processos. Ações em nome da consolidação democrática. O avanço democrático, apesar de festejado continentalmente, sofre distorções localizadas. A Venezuela, cuja história é pontilhada por governos autoritários vive hoje o “chavismo”, que chegou ao poder pelas eleições mas ganha contornos ditatoriais na medida em que aumentam os poderes do Executivo e promove-se a continuidade do governante. O pior é que, lamentavelmente, o ‘sonho’ de Chávez não se restringe à Venezuela. Dá aporte ao boliviano Evo Morales, que enfrenta em seu país manifestações de repúdio da sociedade, acusado de governar só para o povo índio, de onde é oriundo. Intromete-se na política dos outros países, inclusive ao ameaçar retaliações ao Congresso brasileiro pela morosidade no processo de aprovação da entrada da Venezuela no Mercosul. E ameaça exportar o seu regime populista, com luta interna de classes, para os demais países do continente. Mesmo antes do “¿Por qué no te callas?” pronunciado pelo rei da Espanha, Chávez já havia promovido muitas inconveniências e gafes. Conta com o beneplácito do presidente argentino, Nestor Kirchner, que o autorizou a ir ao território portenho promover comícios contra o presidente George Bush, em visita ao continente, e com o apoio político explícito de Lula, que foi à Venezuela para participar da campanha de sua reeleição e tem procurado minimizar as diversas intromissões chavistas em assuntos brasileiros. Como maior economia do continente, o Brasil, dentro de sua soberania, deveria reservar-se mais. Em vez de igualar-se ideologicamente aos caricatos vizinhos esquerdistas, mesmo tendo origem na esquerda, o governo Lula deve colocar-se melhor. Como governante, jamais permitir que os tresloucados “compañeros” agissem econômica e politicamente contra os interesses brasileiros, sem qualquer reação. Evo Morales ocupou militarmente e nacionalizou a preço vil as instalações da Petrobras e, mesmo assim, ainda vai levar mais dinheiro brasileiro para poder vender seu gás aos argentinos. A autodeterminação dos povos é imperativo da democracia. Nós, brasileiros, não devemos nos imiscuir nas questões internas dos vizinhos, por mais estapafúrdias que sejam. Mas, em contrapartida, não podemos admitir que a estupidez, o caudilhismo ou a má-fé dos governantes vizinhos, que infelicitam seus próprios povos, nos confrontem e contrariem nossos interesses. Isso é capitulação e criminoso lesa-pátria. Não há ideologia política que possa justificar. A América do Sul, assim como a América Latina, tem sua história marcada por regimes totalitários e governos encabeçados por verdadeiros megalomaníacos. As ações de Chávez e Morales, infelizmente, sinalizam para a continuidade desse estigma mundial. O Brasil não pode e não deve entrar nesse caricato clube, mesmo que esse comportamento possa coincidir com o perfil de uns e outros que hoje vivem e freqüentam nossos palácios oficiais... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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