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SEÇÃO
Crônicas
01/12/2007 - 12h36
Forrem o ninho para a pequena Maria
Eduardo Murta
 

É para Maria Sanhaço que converge toda a natureza de pássaros do lugar. Dos delicadamente pequeninos aos que fazem pose de gavião-rei. Contam é que, indistintamente, comem em sua mão. Repousam em seus ombros. Há um espetáculo com o dia fresco ainda, o sol recatado em pijama. É quando aportam as aves de baixo calibre. E o segundo e derradeiro, no instante em que as luzes se entremeiam - nem dia, nem noite - e as criaturas de porte se apresentam.

Creiam, não creiam, verdade é que, junto dela, jamais tico-tico virou presa de águia. Atribuíam àquela criatura o poder de ordenar um balé de sobrevôos em que jamais imperasse a lei do mais forte. Pensem em exílio, e lá estará o carcará, irredutível, ranzinza, seguro de que mal não cometera ao investir em mergulho cego sobre família de beija-flores. Inda que tenha errado o alvo, terminou banido por dois verões.

Esses dons de se converter em refúgio da passarada nem ela, tampouco os parentes, sabiam exatamente onde havia nascido. Há quem se recorde da manhã em que se pôs entre o milharal e a mangueira em galhas pendendo de tão amadurados os frutos. Foi que o primeiro encontro se deu. Era uma revoada de jandaias. Elas circundando a copa generosa, em festa, dessas típicas de periquitos...

E refrearam em calmaria, ao avistarem a menina. Foram se aproximando em círculos cada vez mais lentos. Maria não deveria ter além de 3 anos. Gesto instintivo, abriu os braços em meio à folhagem. É a imagem dela, percebam, em papel de espantalho acolhedor. Fez repetir a cena no dia seguinte, e nos que viriam pela frente.

Pai, mãe, irmãos e avós boquiabertos. Depois, veio a vizinhança. Logo arrancharam também tropeiros, vaqueiros, comadres de vilarejos distantes. Do alvoroço da espera dava-se um silêncio lembrando rituais, assim que vinham os primeiros sinais de bichos cortando os ares. E ela gargalhava num bonito, desses de amainar dores dos que acompanhavam o festejo.

Juliana com pedra nos rins, Afonso com gota, Mateus com espinhela caída, Margô com sofreguidão de amor. Raro encontrar alguém que saísse dali sem purgar seus desacertos - fossem clínicos ou da alma. Aquilo se transformara em química de mistérios, a ponto de missão sigilosa da igreja aportar por lá. A ver se enquadrava as sessões na conta dos milagres.

Foi dia em que cumpriram pouso um sanhaço da asa ferida, andorinhas rumo ao litoral, canarinhos para o desjejum e um solitário papa-capim. Deu que, subitamente, se fecha o tempo. Nuvens carregadas. Lampejos. Todos agora centrados no conjunto de asas negras em formação de planador. Baixando um a um, os visitantes buscando porto.

Da multidão emergiu o espanto. Eram mesmo urubus? Cruz-credo!!! Veio um murmurar afuxicalhado, um torpor junto à gente. Uma troca de olhares inquisidores. Num instante, as miradas iriam se cruzar. Desafiadoras. Pássaros e povaréu como que semipetrificados. Vingou um incômodo calar, e lançou-se a primeira pedra. Uma segunda, outra mais. Dezenas. Revoada de pânico. Retirada em desatino.

Não há quem tenha visto. Um turbilhão de borboletas multicolores se aprochegando. Tomando Maria Sanhaço pela delicada pele. Flutuou a menina. Se confortou em acolhedora pose. E contam que segue aninhada num canto qualquer do paraíso.


Nota do Editor: Eduardo Murta é jornalista, autor de "Tantas Histórias. Pessoas Tantas", livro lançado em maio de 2006, que reúne 50 crônicas selecionadas publicadas na imprensa. É secretário de Redação do jornal Hoje em Dia, diário de Belo Horizonte. Já teve passagens também pelos jornais Diário de Minas e Estado de Minas, além de Folha de S.Paulo e revista Veja. É um dos colunistas do Hoje em Dia, onde publica às quartas-feiras.

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