Se algum pesquisador sair às ruas e perguntar ao povo o que é Constituição, ouvirá as mais imprevisíveis definições. Apesar de vivermos constitucionalmente há exatos 183 anos – desde 1824, quando o imperador Pedro I outorgou a nossa primeira Carta Magna -, infelizmente, muitos dos brasileiros ainda não sabem o que isso significa. É uma grande distorção e razão de atraso para toda a sociedade. Quem não conhece pelo menos rudimentos constitucionais está despreparado para exercer a cidadania e não consegue defender seus próprios interesses. É nas páginas da Constituição que se encontram a organização do Estado, as leis que o regem o país e todo o conjunto de direitos e deveres do cidadão. Para poder vigorar e surtir efeitos, toda lei tem de ser “constitucional”, isto é, não pode contrariar o que diz a Constituição. Daí sua importância. Qualquer cidadão, por mais modesto que seja, desde que alfabetizado, só pode ter vantagens se, por alguma razão, adquirir o hábito de ler a Constituição. Através de suas páginas, ficará sabendo como se organizam a União, os estados e os municípios, quais as obrigações dos dirigentes (presidente, governadores e prefeitos), dos legisladores (senadores, deputados e vereadores) e dos integrantes do Poder Judiciário (ministros, desembargadores, juízes etc). Também saberá as obrigações do Estado para com o cidadão e deste para com o Estado. Com esse conhecimento ficará mais fácil decidir em quem votar (e em quem não votar) nas eleições, discernir o que pode ser bom para o povo etc. Estará mais a salvo dos espertalhões que freqüentemente o fazem acreditar que “tudo está bom” ou “tudo está ruim” e, por desconhecimento, defender interesses que não são os seus. Pela alta influência que exerce na vida nacional, a Constituição de um país, inclusive a do Brasil, deveria ser o livro de cabeceira do povo. Desde criança, o indivíduo deveria tê-la em versões simplificadas, obrigatoriamente integrando seu material escolar. Os professores poderiam ter entre suas tarefas o ensino constitucional, sem viés político nem ideológico. Um sistema apenas informativo ao aluno para habilitá-lo, desde cedo, ao exercício pleno da cidadania. É comum dizer-se que “quem não defende o próprio direito, não tem esse direito”. Porém, no Brasil de hoje, muitos deixam de defender seus próprios interesses simplesmente por desconhecê-los. Se a leitura do texto constitucional fosse hábito, com certeza, ao longo da história, teríamos evitado muita dor-de-cabeça e decepção. O povo, por exemplo, já teria pressionado o governo e o Congresso Nacional a elaborar, votar e colocar em vigor a extensa legislação complementar e reguladora da Constituição de 88 que, por falta de providências do Executivo e Legislativo, ultimamente tem sido regulamentada por atos supletivos do Judiciário. Já se vão quase 20 anos do dia em que Ulysses Guimarães colocou em vigor a “Constituição Cidadã”, como a denominou no ato, e até agora, passados quase cinco mandatos de quatro anos, seus sucessores ainda não tiveram tempo ou algum interesse para terminar o trabalho. As esquerdas sempre acusaram as elites de manter o povo “ignorante” ou “burro” para, assim, se perpetuar no poder. Agora, que boa parte daquela mesma esquerda está no poder, deveria ela própria, civicamente, incentivar a população a conhecer as principais leis que regem a sociedade. Por certo também correria o risco de ser apeadas do poder, mas, como já se disse no passado, o povo não seria mais escravo de ninguém... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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