Faz alguns anos, não muitos. Um dia, no Rio, um famoso intelectual descobriu que sua esposa tinha um caso com um jornalista não menos famoso – e, ainda por cima, seu grande amigo. Desafiou-o então para um duelo. O local foi marcado, as armas e padrinhos escolhidos. Duelo a pistola, na praia do Leme, decidido ao primeiro sangue. Na noite anterior, os dois duelantes, cada um com seu grupo de amigos, foram por acaso ao mesmo bar. Um dos duelantes teve um súbito ataque de bom-senso: chamou o outro para uma conversa e argumentou que nenhum dos dois sabia atirar, que iam acabar ferindo algum desavisado, e que era uma pena acabar com um duelo uma amizade tão antiga. Acabaram desistindo. Na conversa que se seguiu, o marido traído se queixou: por que o outro escolhera justo sua esposa, justo ele, que era seu amigo? A resposta foi franca e direta: "Eu só posso namorar com mulher de amigo. Com mulher de inimigo eu não me relaciono". Aquele tipo de embate já era ridículo na época. Mas, pelo menos, lutava-se por mulher. Hoje, qualquer duelo fora das redações é ainda mais ridículo. Pior, nem se luta por mulher: gente supostamente racional recorre à Justiça e briga por preferência partidária. Briga entre jornalistas na Justiça? Besteira: que debatam em seus respectivos veículos de comunicação. E, de preferência, que debatam idéias. Xingar o adversário porque é petista, ou porque é tucano, é inaceitável. Chamar os adversários de mascates, baixinhos, descerebrados, vendidos, decadentes – nessa baixaria, onde fica a inteligência? Por que deixar que o fígado suplante o cérebro? Isso é desmoralizar a essência da profissão, o raciocínio, a capacidade de entender os fatos. Já houve época em que um intelectual poderoso escreveu longo artigo contra uma adversária, chamando-a de prostituta e usando 63 sinônimos. Não, definitivamente este não foi o ponto alto de sua carreira (embora, para os apreciadores das nuances de nosso idioma, tenha sido muito instrutivo). Se é para xingar, tem um pessoal no cais do porto que pode fazê-lo melhor, mais alto, mais barato. E ainda tem porte físico para, logo em seguida, sair na porrada.
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