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Crônicas
01/01/2008 - 11h10
Árvores de Natal
Ivani Cunha
 

A moita de bananeiras sempre existiu ali, no fundo do quintal, bem próxima de um dos vértices formados pelo muro. Um dia, o homem teve a idéia de utilizar a pequena clareira à sombra das bananeiras, e foi para lá, com um banquinho de madeira e um livro. Mas logo se convenceu de que não ia dar certo: por causa do piso irregular, com algumas raízes à flor da terra, era impossível manter o banquinho apoiado de modo uniforme sobre as quatro pernas. Além disso, havia o desagradável odor de fezes do cachorro e dos gatos que viviam no quintal. Melhor abandonar a idéia de ocupar o local.

Embora não tivesse mais vontade de freqüentar a pequena clareira, ele gostava das bananeiras. Por isso, fez cara feia quando lhe disseram que as plantas seriam arrancadas para uma reforma do quintal. Ele sempre passava algum tempo observando as grandes folhas lisas, recortadas, e um dia tentara reproduzi-las em desenho, mas faltou-lhe talento. Gostava também do delicado sabor das bananas, que se apresentavam em cachos enormes, e aprovou o sabor da salada de umbigo de bananeira. A vista do homem custou a se acostumar com a ausência da moita no fundo do quintal. Ficou-lhe uma sensação de perda, e depois ele descobriu por quê: em sua distante infância, o homem só conhecia árvore de Natal de ouvir falar, e aquelas bananeiras eram as árvores de Natal que agora ele podia ter – árvores generosas, com os cachos da fruta substituindo as bolas coloridas.

O projeto de reforma impôs também a derrubada de uma mangueira, outra árvore de Natal, cuja idade ninguém jamais teve condição de calcular. Ela já estava lá quando a casa foi construída, há mais de 30 anos. Suas mangas eram bem grandes, dessas de comer em fatias, e não deixavam fiapos entre os dentes. No período de safra, principalmente quando chovia, o homem costumava sentar-se numa velha e confortável poltrona, na área com piso de ardósia sob os quartos da casa, para contemplar os galhos açoitados pelo vento e acompanhar a queda das frutas. Este prazer também não existe mais, porque a velha mangueira foi derrubada numa manhã de dezembro, quinze dias antes do aniversário do homem, vinte dias antes do Natal. O rapaz da motosserra fez o serviço completo em poucas horas, talvez preocupado com a previsão de chuva para o final da tarde. Depois repartiu o tronco em inúmeros pedaços, coisa de profissional.

Abater a grande árvore era o que faltava para dar prosseguimento à reforma do quintal. A operação resolveu muitos problemas de uma só vez, pois a mangueira ocupava grande espaço, lançava folhas inclusive na piscina de um vizinho e, quando ventava, as folhas eram levadas para o telhado da casa colada ao muro do fundo. Às vezes surgia também o temor de a árvore favorecer a escalada de algum invasor até um dos quartos da casa. Ah, se os ladrões soubessem...

As últimas safras da mangueira não foram abundantes e as mangas também não eram mais as mesmas. Como as pessoas, as plantas não têm o privilégio da vida eterna, e a queda de desempenho de humanos e vegetais é inevitável, principalmente se levam uma vida ao deus-dará. A velha árvore nunca teve a visita de um engenheiro-agrônomo, nem mesmo de um estagiário de escola técnica rural. O tronco escuro, rachado de cima a baixo, denunciava a falta de cuidado com a mangueira, que se confirmava agora em cada manga.

Tomara que as plantas tenham uma vida depois desta, pois a velha mangueira e a moita de bananeiras merecem o melhor lugar no mais bem-cuidado pomar da eternidade.


Nota do Editor: Ivani Cunha é jornalista.

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