Uns documentos importantes desaparecem. Foram enviados para mim por motoboy. Chegaram à portaria da empresa no final da tarde e... Ninguém sabe, ninguém viu. O comprovante de recebimento está lá, assinado. E o dono da assinatura me procura para dizer que recebeu e colocou na caixa de entrada. Dali pra frente não se responsabiliza mais. - Não fui eu. Busco o responsável pela área de trânsito de documentos que, todo solícito, se propõe a procurar. Algumas horas depois ele telefona sugerindo que eu tire segunda via... Ninguém sabe, ninguém viu. E argumenta: - Seu Luciano, não fui eu. Protestei, indignado. E recebi a resposta definitiva: - Foi mal... Então o piscineiro faz seu trabalho semanal lá em casa. E vai embora largando um registro aberto. Inunda a casa de máquinas. O motor vai pro brejo. Protestei, e a resposta foi imediata: - Não fui eu. Diante da impossibilidade de sustentar inocência, a frase definitiva: - Foi mal... No estacionamento, o manobrista me entrega o carro com um lindo risco na lateral. - Já estava assim. Não fui eu. Chamo o gerente, que dá a resposta definitiva: - Foi mal... Eu pensei em dar aqui um exemplo de companhia aérea, mas nem precisa, né? - Foi mal. Foi mal. Foi mal... Pois é. Essa é a grande encrenca da prestação de serviços. Você só sabe se o serviço é bom depois que recebe. Não dá pra ver antes, pra cheirar, experimentar, saber que peso tem, de que tamanho é... Precisa encomendar e torcer pra receber algo que preste. Sempre que pago serviço meia-boca com dinheiro bom, sinto-me um trouxa. E a dor de cabeça para corrigir a incompetência? Não há dinheiro que pague, não é? Pois o leitor Caio Márcio Rodrigues me escreve com uma idéia deliciosa que, se não é a solução, ao menos nos daria um saborzinho de vingança contra a turma do "foi mal": o Real Flutuante. Olha só: "Outro dia, o dono da empresa que trocou o telhado de minha casa, ao terminar a labuta de uns 15 dias, tascou: - Então, seu Caio, desculpe alguma coisa, tá? - Ué, mas se você fez algo para se desculpar, vai lá e arruma, tá?... Ainda dá tempo! Não deu tempo: em vez de me pegar pelo braço e mostrar orgulhosamente sua obra, as qualidades, modo de usar, tecer comparações entre o prometido e o realizado, ele entrou no carro e se mandou. Aí fiquei pensando: já ouvi essa frase algumas vezes nos últimos tempos. Parece que ela está ficando comum. No Brasil, em vez de fazer o serviço direito, o sujeito faz de qualquer jeito e então pede desculpas por alguma coisa. Pensei em propor ao Banco Central a criação de uma moeda flexível: um Real que valesse mais, ou menos, conforme a qualidade do serviço que estamos pagando. Essa moeda de escala flexível funcionaria assim: um serviço impecável você pagaria com um Real ’A’ bom, firme. Um serviço mais ou menos você pagaria com o Real ’B’ roto, com o qual só dá para comprar metade das coisas. Seria legal, não? A moeda correspondendo à qualidade do serviço prestado." Genial a proposta do Caio! Já pensou na cara do sujeito? - Pô, seu Luciano, mas o senhor me pagou com o Real de merda! - Ô, vai desculpando aí. Foi mal... Nota do Editor: Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.
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