Cheio de ressacas das tantas confraternizações de fim de ano, iniciadas um domingo antes, lá estava eu, em rara ocasião, cochilando na poltrona do papai, também conhecida como do vovô. Só, em casa, era o dia ideal para refestelar-me. Confesso que antes fui alimentar o diabete nas guloseimas da geladeira, pois não tinha alguém para dizer "só um pouquinho". Havia muito tempo que eu não comia enormes fatias de queijo do Reino, de verdade trazido da Zona da Mata Mineira, lambuzadas, com fartura, por um doce de leite de igual procedência. Ô trem bão, sô! A paz era celestial. Nenhuma revolução na praça. Não obstante as milhares de pequeninas lâmpadas de procedência chinesa, nenhuma foi atropelada por um tanque de guerra. Não havia claridade de relampejos, ou excessiva, da lua entrando pela janela da sala. Era o ambiente ideal para o frescor do vento sertanejo naquele cair da noite, entrando pela janela e varando até a porta da cozinha, o que me levava a sonhar que estava em cruzeiro marítimo. Até a TV que fica "vinte e quatro horas" acesa estava em off, naquele dia, já que as crianças e mãe delas, minha querida esposa, haviam ido à praça ver o presépio. Sem modéstia, o maior e mais bonito do interior da Bahia. O silêncio foi quebrado pelas duas meninas, que mais parecem um batalhão entrando pela sala aos gritos, e a minha grande amada ligando o aparelho de televisão. Fantástico, elas afundaram meu navio, e se eu continuasse dormindo, o sonho seria no Titanic. Apressada, ela, que sempre na melhor parte dos sonhos, com suas distraídas cotoveladas ou carinhosos cafunés fora de hora me interrompe, ligou a telinha, para conferir se a apresentadora Glória Maria ainda estava na TV Globo. Eu, sonolento, confundi a Poeta com musa de ébano, tão diferentes que são! Despertei, assustado, com uma programação que não era outra senão lembranças de acontecimentos que foram destaques no ano! E o programa falava sobre a Bahia de todos os santos e demônios, quando a apresentadora, aos meus ouvidos ainda sonolentos, e meus olhos querendo re-fechar, anunciou aos telespectadores: "no próximo bloco, a despedida do senador Antônio Carlos Magalhães". Dei um pulo para frente, pois sempre admirei ACM, mas nunca acreditei que ele poderia ressuscitar! Por instantes, imaginei que a retrospectiva de seu funeral era uma daquelas mensagens de fim de ano, do baiano de cabeça branca! Nota do Editor: Seu Pedro (Pedro Diedrichs) é escritor e "Jornalista do Sertão". Tem 60 anos e é editor do jornal Vanguarda, de Guanambi/Bahia, cidade onde é voluntário da APAE e presidente do Conselho da Comunidade - CCG.
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