Lá pelo final dos anos 60, o ator italiano Giuliano Gemma era um astro de primeira grandeza. Vivia-se a época dos spaghetti western, filmes de bang bang sangrentos e cheios de ação, quase sempre filmados na Espanha. Gemma trabalhou na película que abriu as portas do gênero para o cinema italiano, "O dólar furado", uma co-produção ítalo-germânica de 1965. Atuou como "Montgomery Wood" por razões mercadológicas, imaginava-se na época que nenhum mocinho seria levado a sério se usasse um nome italiano. Wood, ou melhor Gemma tornou-se, da noite para o dia, um astro capaz de arrastar multidões aos cinemas. Na época em que aconteceu a história que estou narrando ele vivia o auge da fama, sendo tema de conversa no Bar do Alemão, em Itu, onde se come o melhor filé à parmegiana do Brasil. Em uma das mesas o diretor premiado em Cannes, Anselmo Duarte, jantava com amigos, falavam de cinema e bebiam cervejas, muitas cervejas. Estavam discutindo a performance de Gemma no filme "O Leopardo", de Luchino Visconti, no qual ele fez uma ponta. Enquanto o garçom providenciava mais cervejas, nos céus do Brasil, um DC-8 da Alitália, que partira de Buenos Aires para Roma, teve problemas técnicos. Acabou por fazer uma escala inesperada no aeroporto de Viracopos, em Campinas. A companhia avisou que a viagem só prosseguiria no dia seguinte. Gemma era um dos passageiros. Estava retornando de uma cansativa turnê promocional na Argentina. Ele e dois atores da comitiva tomaram um táxi, pedindo para serem levados ao encontro do melhor bife da região. O motorista, que era de Itu, aproveitou para faturar um troquinho extra, foi direto para o bar do Alemão. Na mesa dos cineastas a discussão era sobre os papéis secundários do ator e detalhes de sua vida. Num dado momento Anselmo afirmou que antes de ser ator Giuliano Gemma trabalhou como bombeiro. Um dos interlocutores discordou, dizendo que Gemma nunca exerceu tal profissão. A coisa esquentou, a discussão aumentou de volume, os gritos eram ouvidos por todo o salão do restaurante, parecia jogo de truco. Anselmo Duarte levantou-se para ir ao banheiro e ao fazê-lo, escutou a pergunta irônica do amigo: - Aonde vai, procurar o bombeiro? O banheiro ficava do outro lado do salão, no caminho o cineasta foi reconhecido e interpelado por um jovem vestido de vaqueiro: - Desculpe, mas o senhor não é o diretor de cinema que ganhou a Palma de Ouro? Duarte respondeu que sim, o jovem então se apresentou: - É uma honra conhecê-lo, Estou de passagem, meu nome é Giuliano Gemma, e fico feliz em poder apertar a mão de um cineasta tão importante. Seu filme, "O pagador de promessas" é dos meus favoritos. Sem saber direito se estava acordado ou sonhando, Anselmo convidou o jovem para compartilhar a mesa. Ao se aproximarem, apresentou o ator aos amigos que ficaram mudos e atônitos. Ele então, com solenidade perguntou ao astro: - Giuliano, antes de ser ator, o que você fazia para ganhar a vida? - Eu era bombeiro senhor diretor. Anselmo olhou bem para todos e gritou do alto do ego satisfeito: - Garçom, mais cervejas... E a noite continuou animada, com as muitas histórias contadas pelo recém-chegado.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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