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COLUNISTA
Marcelo Sguassábia
09/01/2008 - 10h12
Espelho meu
 
 

Maior seria a ressaca do mar, naquele início de manhã do dia primeiro, ou a dos homens e mulheres sem nomes, às centenas, desacordados na areia após a farra de réveillon? A praia cheia de morteiros explodidos, garrafas de sidra vazias e ainda com preço, rosas que oferecidas a Iemanjá ou Nossa Senhora da Conceição voltavam esfaceladas para o continente, como se renegados os presentes da véspera.

Um espelhinho, desses de rodoviária, emoldurado de arabescos em plástico rosa, veio trazido por uma onda pequena junto com uns tocos de vela. Enroscado numa redinha de maçã de quitanda, ali ficou até que alguém se desse conta e dele libertasse o encantamento.

Não demorou quase nada e o milagre então se fez. Sob efeito de imponderável fermento, o badulaque barato foi se esticando ante o espanto dos passantes, dobrando de tamanho a cada dois segundos até se sobrepor à imensidão do mar. Alguns incautos, despertando à revelia da rebordosa, quedavam instantaneamente cegos com o sol refletido na gigantesca plataforma, que àquela altura já era uma passarela a meio caminho entre a Terra e a lua. Num fulgurante big-bang, do qual nunca se teve notícia por não haver tempo das broadcastings enviarem suas equipes, o megaespelho pariu bilhões de espelhinhos, um para cada vivente dos mundos que se conhecem e dos outros desconhecidos.

Foi insólito o feitiço coletivo. Mulheres vincadas de pés-de-galinha viam-se debutantes, os hormônios revoltos encobertos pela alvura dos vestidos. Assassinos redimiam-se ao contemplar os rostos de suas vítimas no lugar de seus reflexos. Crianças abandonadas avistavam os pais ao longe, correndo em sua direção. Carecas resgatavam suas madeixas, na cor e viço originais. Pescoços desempapavam-se. Narizes horrendos afilavam-se. Rímeis, brushes e lápis de sobrancelha eram lançados ao mar por não terem serventia. Manchas da pele eram removidas junto com as da alma e as do caráter. As linhas de expressão só permaneciam se fossem imprescindíveis ao reconhecimento fisionômico, e mesmo assim com a anuência do detentor e firma autenticada em cartório.

Sem prévio aviso ou razão aparente, algumas trombetas soaram enquanto o céu se enegrecia. Toda a hierarquia angélica parecia a postos para um grande e definitivo cerimonial. Uma voz vinda de onde não se sabe anunciou o fim dos tempos, conforme advertiram os profetas. O mundo podia acabar, mas acabaria bem. Ainda que vivendo o seu último capítulo, a criatura se enxergaria finalmente à imagem e à semelhança do Criador.


Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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