Contos da Mula Manca
Gosto muito de minha amiga, a loura, uma garota bonita e esperta que é muito boa mãe, muito dedicada ao filhinho. Pois preocupada com a formação do filhinho, que nem tão inho é assim, completou 12 anos, a loura resolveu levá-lo ao cinema para ver um filme com tema adulto e censura livre. Aliás, a loura, junto com o melhor amigo gay, usa o filho como pretexto – eles carregam o garoto junto toda vez que querem assistir a última novidade dos grandes estúdios de animação, coisa que os dois adoram. O menino raramente consegue dar palpite no que quer ver. Dessa vez não foi diferente. Invocada de que ele não lê quase nada, passa os dias no computador, na TV e no videogame, como qualquer garoto normal, a loura resolveu civilizá-lo um pouco. O coitado, que em matéria de cinema não passa muito de Star Wars e outros do gênero, foi sob protesto, fazer o quê, como é que dá pra discutir com tal mãe, ele ainda não pegou a manha. Eu fui junto para conferir o francês “A culpa é do Fidel”, só exigi que fosse no Espaço Unibanco, a única vantagem que tenho por ser correntista dos Moreira Salles, pago metade. O filme é o máximo, o tema é meio parecido com “O ano em que meus pais saíram de férias”, a movimentação da esquerda nos anos 70 vista pelos olhos de uma criança. Que o Cao Hamburguer me desculpe, olha que eu adorei o Ano, mas o Fidel culpado é mais legal. A diretora, Julie Gravas, tem a quem puxar, os já entrados em anos – sem trocadilho – vão lembrar, ela é filha do Costa Gravas, que entre outros rodou “Missing”, sobre desaparecidos sob a ditadura da época. Tem ainda outra filha famosa e Julie, a Depardieu, dele mesmo, Gerard, o grande ator francês que vai de príncipe a mendigo com a mesma soberba categoria. A depardieuzinha vive a mãe da menina, a atriz Nina Kervel-Bey, um show de bola de interpretação que ainda vai dar muito o que falar enquanto for crescendo. A garotinha é de matar de tão fofa, daquelas rolicinhas invocadas e inteligentes que dá vontade de roubar da tela para levar para casa. O título se deve às convicções de uma das babás, uma cubana, que odeia o regime de Fidel que tudo tirou dela e da família. Outras babás virão, de outras nacionalidades, uma jogada genial do roteiro para mostrar alguns aspectos da convivência dos refugiados com a França, terra de asilo da época, fosse por questões políticas ou econômicas ou ambas. Não vou contar o filme, quem ainda não viu corra, Lola, corra que ainda dá tempo. Só vou fechar com o que aconteceu com o filho da loura, que deveria voltar mais civilizado e historicamente inteirado sobre os anos de chumbo. Pois bem, ele dormiu o filme inteiro e na saída usou um trocado que tinha ganho da avó para comprar uma revistinha do Pokemon. Nota do Editor: Maria Ruth de Moraes e Barros, formada em Jornalismo pela UFMG, começou carreira em Paris, em 1983, como correspondente do Estado de Minas, enquanto estudava Literatura Francesa. De volta ao Brasil trabalhou em São Paulo na Folha, no Estado, TV Globo, TV Bandeirantes e Jornal da Tarde. Foi assessora de imprensa do Teatro Municipal e autora da coluna Diário da Perua, publicada pelo Estado de Minas e pela revista Flash, com o pseudônimo de Anabel Serranegra. É autora do livro “Os florais perversos de Madame de Sade” (Editora Rocco).
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