No consultório do analista, Carmem choraminga e diz que não agüenta mais sofrer. - Não sei mais se ele me ama. Há duas noites não durmo, pois não paro de pensar nisso. - Você poderia descrever o que sente? - pede o analista. - Sinto o chão se abrir. Como se fosse acabar a alegria na minha vida e não fizesse sentido mais viver. O profissional a observa. Ela esboça um sorriso tenso, encobrindo a emoção que sente. Uma sombra se instala sobre seus olhos. Ele fala: - O que a leva a pensar que a vida não terá mais continuidade? Você é perfeitamente capaz de buscar outros caminhos e sabe disso. Já conversamos muito sobre o assunto. - Eu sei, mas não posso me controlar. O medo vai aos poucos tomando conta de mim. Preciso desse amor, não sei viver sem ele. - O que mais me impressiona é ver uma mulher tão inteligente se deixar levar assim pelas emoções. Você tem sangue espanhol, minha filha? - Tenho sim, doutor. Por que o senhor pergunta? - Nada importante, mas tive a impressão, olhando para você, que estava diante de uma personagem de Almodóvar. Uma mulher à beira de um ataque de nervos e sem nenhum motivo concreto para se encontrar assim. - O senhor acha que não é um bom motivo ele não gostar mais de mim? - Não é não, senhora! Deve ter muita gente que gosta de você e por mais que doa, não é por apenas uma pessoa não gostar de você que você deve desistir de viver. Ela parece refletir. A sombra permanece no seu olhar. Endireita-se na poltrona, olhando para o psicoterapeuta e indaga: - O senhor nunca sofreu por amor? O médico não parece se assustar com a impertinência, mas leva alguns segundos para responder. - Não estou sendo analisado, mas posso lhe dizer que já sofri, sim, mas não morri. Você está me vendo aqui. - Ah, mas eu sou diferente - disse Carmem, parecendo uma menina mimada. - Claro que você é diferente, porém tem tanta força como eu. Encontrará uma maneira de lidar com a situação. Eu lhe asseguro. Ela deixa as lágrimas correrem por seu rosto. Sente-se uma menina abandonada e imagina o esforço que fará para superar mais uma perda. O terapeuta olha-a e diz que é importante encarar essa possibilidade, mas que tudo pode ser fantasia dela. Ele não enxerga com muita clareza as causas que a levaram a acreditar que o namorado não mais gosta dela. Enquanto o ouve, o rosto dela vai se iluminando aos poucos: - O senhor acha mesmo? - Acho sim. Espere e não seja tão ansiosa. Pode não ser nada disso. Agora os olhos de Carmem já brilham de alívio. O sorriso ilumina seu rosto. Pensa que o analista pode ter razão. O tempo acabou, antes que o terapeuta pudesse dizer que não tinha certeza de nada. Que tudo poderia acontecer. Ele ainda tentou, mas a cliente decidida já se despedia. Ela saiu do edifício com a alma leve e uma expressão inegável de alegria no modo como se dirigia ao seu carro no estacionamento. Dera uma pausa no sofrimento. Ufa! Nota do Editor: Evelyne Furtado é jornalista, poetisa e cronista em Natal/RN.
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