"Quanto mais os frutos do conhecimento se tornam acessíveis aos homens, mais acelerado é o declínio da crença religiosa." (Sigmund Freud) Um bom livro para quem deseja refletir aberta e sinceramente sobre o tema religioso é God is not Great, de Christopher Hitchens. Além do título, o subtítulo já deixa claro sua opinião sobre o efeito líquido da religião para o mundo: "como a religião envenena tudo". Sua escrita é muitas vezes ácida, irônica outras, mas é inegável sua capacidade de argumentação e seu conhecimento sobre o assunto. O autor levanta muitas questões incômodas para os crentes de diferentes religiões, não poupando nenhuma delas. Para ele, as religiões escravizam, ofuscam a busca do conhecimento e criam falsos tabus, como o quase unânime ataque ao sexo como algo tóxico. Segundo Hitchens, permanecem quatro objeções irredutíveis para a fé religiosa: ela interpreta de forma totalmente errada a origem do homem e do cosmos; ela, por conta desse erro, combina um máximo de servidão com um máximo de solipsismo; ela é tanto o resultado como a causa de uma perigosa repressão sexual; e ela está basicamente sustentada por um desejo de crer, um wish-thinking. Todas as religiões foram feitas por homens. Deus não criou os homens à sua imagem. Foi justamente o contrário, o que pode ser observado pela profusão de deuses e religiões. Muitos podem alegar que ao menos essas religiões oferecem conforto ou um código de ética. Mas quem oferece um falso conforto é um falso amigo, como os consumidores de drogas bem sabem, e é totalmente possível levar uma vida ética sem religião, como a experiência atesta. Além disso, as religiões podem falar de maravilhas no próximo mundo, mas é o poder neste mundo que elas buscam. Isso é esperado, já que são criadas e geridas por homens. E como não gostam de competição, talvez por falta de confiança em suas próprias pregações, as religiões não costumam aceitar uma coexistência pacífica entre diferentes credos. A história dos últimos séculos pode ser descrita como uma história de guerra entre religiões. Quando uma seita é nova e, portanto, está em minoria, pleiteia tolerância. Mas tão logo ela cresça o suficiente, a meta passa a ser o monopólio da fé, com o auxílio da força, ou seja, do Estado. O Cristianismo está longe de ter evitado esta tentação, e apesar da famosa frase atribuída a Jesus, mandando dar a César o que é de César e separando Estado da fé, basta ver o poder que a Igreja Católica Romana desfrutou por séculos, e como o utilizou. John Stuart Mill escreveu: "Que os cristãos, cujos reformadores pereceram na masmorra ou na fogueira como apóstatas ou blasfemos - os cristãos, cuja religião exala em cada linha a caridade, liberdade e compaixão... que eles, depois de conquistar o poder de que eram vítimas, exerçam-no exatamente da mesma maneira, é demasiado monstruoso". David Hume, condenando a superstição, perguntou: "Quão suavemente a Igreja Romana avançou em sua conquista do poder? Mas, por outro lado, em que lúgubres convulsões ela atirou toda a Europa, a fim de conservar esse poder?" Nada disso deveria surpreender aqueles que entendem que as religiões são criadas por humanos, demasiado humanos. As religiões acabam assumindo uma postura anti-científica também, pois quase sempre a fé dogmática entre em conflito com o avanço do conhecimento, como Galileu e tantos outros descobriram the hard way. Em pleno século XXI, por exemplo, ainda existem várias religiões condenando o uso de preservativos, mesmo que os riscos da AIDS fiquem infinitamente maiores. A atitude da religião com a medicina e a ciência é muitas vezes hostil, pois ela teme a perda de seu monopólio. O que acontece com o xamã e demais místicos religiosos quando os remédios estão ao alcance de todos? Basicamente o mesmo que acontece com o rainmaker quando o climatologista surge. A exploração da ignorância sempre foi uma arma nas mãos das religiões. As pragas eram vistas como punição dos deuses, e isso encorajava o ato de queimar alguns hereges e infiéis para satisfazer esses deuses. Incrivelmente, não foram poucos que usaram essa explicação para desgraças naturais recentes como o Katrina e o tsunami na Ásia. Um castigo para os infiéis - e milhares de fiéis ou criancinhas inocentes também. Um Deus com conceitos bem estranhos de justiça. Por falar em crianças, os astecas as sacrificavam para que o sol pudesse surgir todos os dias. Os pais que acreditam serem Testemunhas de Jeová impedem que seus filhos recebam sangue em transfusões, condenando-os à morte. A lista seria interminável. A alegação de que sem uma religião não há comportamento ético é absurda, além de expor um desvio de caráter preocupante em quem afirma isso. Afinal, devemos entender que este crente só não sai por aí estuprando meninas inocentes porque teme ser punido por Deus, ou porque um livro "sagrado" o proíbe de cometer tal atrocidade. Um espanto! Na verdade, existem inúmeras passagens monstruosas nos principais livros sagrados, como a Bíblia e o Corão, e cabe em última instância aos próprios homens filtrar o que é válido ali. A ética já é totalmente humana, mesmo para quem acredita se tratar de uma "revelação". Ninguém segue esses livros literalmente, para a nossa sorte. Os três principais monoteísmos admiram o caso de Abraão, que estava disposto a sacrificar o próprio filho como prova de sua fé. Onde está o comportamento ético nisso? Claro que no final Deus poupou o garoto, o que não deixa de levantar suspeitas quanto à onisciência divina, tendo que ver para crer. Abraão, prestes a cometer um dos atos mais bárbaros que pode existir, é louvado pelas maiores religiões, como um exemplo de virtude e devoção. Matar o próprio filho em nome de Deus. Que grande exemplo! Outra grande prova de que as religiões foram todas criadas por homens é o constante machismo presente nelas. Algumas passagens do Talmud desprezam as mulheres com vontade. No Antigo Testamento, fica claro que as mulheres foram feitas para o uso e conforto dos homens. São Paulo, o famoso apóstolo cristão, demandava silêncio das mulheres nas igrejas. No Corão, consta que os homens são superiores às mulheres, e que um marido que sofrer desobediência pode castigar suas mulheres. A impureza das mulheres é tema freqüente nesses livros "sagrados". Lutero teria dito que "o pior adorno que uma mulher pode querer usar é ser sábia". Entendo que alguns podem defender as religiões afirmando que é preciso colocar tudo no contexto da época, onde o machismo era comum. Mas isso não é confessar o caráter antropomórfico da religião? Quer dizer que Deus, Ele próprio, era vítima dos preconceitos do momento? Eu poderia jurar que a sabedoria divina seria atemporal... As religiões normalmente demonstram uma bizarra atração pelo fim do mundo. Muitos crentes claramente desejam ver o dia do Juízo Final, onde todo o seu sofrimento, encarado como virtude, será justificado e recompensado, e os infiéis que pareciam felizes em vida serão castigados, ardendo eternamente no inferno. O Apocalipse conquista adeptos pelas emoções mais condenáveis e mesquinhas. Nietzsche disse: "O cristianismo dirigiu o rancor dos doentes contra os saudáveis, contra a saúde; tudo o que é bem-formado, orgulhoso, soberbo, a beleza, antes de tudo, incomoda-lhe os ouvidos e os olhos". O marxismo conquista pela inveja uma legião de seguidores, que sonha com o dia em que o maldito capitalismo irá acabar, sendo substituído por um "paraíso" de igualdade material. O sucesso alheio será destruído finalmente! O culto da morte e sacrifício está presente em várias religiões também. Essa insistência no tema pode significar um desejo reprimido de realmente morrer, colocando um fim na angústia e ansiedade presentes em demasia na maioria dos crentes. Quase toda religião conta com seus mártires, incluindo aqui o comunismo. Citando Nietzsche novamente: "A morte dos mártires, seja dito de passagem, foi uma grande desgraça na história; seduziu... Os mártires prejudicaram a verdade... Ainda hoje não se necessita senão de certa crueza na perseguição para proporcionar a quaisquer sectários uma honrosa reputação. Como? Pode uma causa ganhar em valor se qualquer um lhe sacrifica a sua vida? É, pois, a cruz um argumento? Escreveram sinais de sangue no caminho que percorreram, e a sua loucura ensinava que com o sangue se atesta a verdade. Mas o sangue é a pior testemunha da verdade; o sangue envenena a mais pura doutrina e transforma-a em loucura e em ódio nos corações. Quando alguém se atira ao fogo pela sua doutrina, que prova isso? Mas verdade é que do próprio incêndio surge a própria doutrina". As religiões miram o poder mundano. Praticamente todas elas contêm a figura de um profeta humilde que se identifica com os mais pobres, um caso claro de populismo. Não deveria ser nenhuma surpresa que essas religiões se voltam inicialmente para a maioria que é formada por pobres e ignorantes. Aqueles que questionavam tinham que ser calados. A venda de conforto e o controle através do medo e da culpa tinham que estar livres dos espíritos mais céticos, que não aceitavam este coletivismo tolo. Por falar em venda de conforto, não precisamos nem mesmo nos ater às promessas absurdas para a vida após a morte. Em vida mesmo esses profetas ofereciam consolo, como as indulgências para os pecados, algumas vezes pagas. O próprio Jesus, ao "perdoar" todos pelos seus pecados, sem consultar antes os prejudicados por tais pecados, estava abrindo os portões da irresponsabilidade e cometendo uma injustiça com aqueles corretos. Quantos cristãos não apelam constantemente para a máxima de que "somos todos pecadores" para justificar uma vida de hipocrisia e contradição com suas crenças? Uma das maiores revoltas de Hitchens com as religiões é a doutrinação das crianças desde muito cedo, quando elas estão totalmente indefesas, sem capacidade de questionar direito ou usar a própria razão. A lavagem cerebral é intensa, e as crianças não têm muita chance. Todo regime autoritário se mostrou obcecado pelas crianças. Esparta é um bom exemplo no passado, como a China comunista no presente. Algo que deveria despertar certo incômodo nos crentes é o fato inegável de que a maioria dos crentes simplesmente segue as crenças de seus pais. Qual a chance de um filho de muçulmanos ortodoxos ser um cristão devoto? Qual a chance do contrário? Ora, se as crenças religiosas são passadas para as pessoas da mesma forma que a língua, não há nada de meritório nisso, pois não há escolha. Não há muita reflexão, e sim repetição. Muitas religiões desembocam no totalitarismo. O princípio essencial do totalitarismo é criar leis que são impossíveis de serem obedecidas. A tirania resultante é reforçada por uma casta privilegiada ou um partido capaz de detectar os erros. No Novo Testamento, o homem que olha para uma mulher de forma errada já está cometendo adultério. Quem consegue seguir algo assim? Uma meta absurda dessas só pode objetivar a escravidão dos crentes. Muitas religiões proibiram o empréstimo a juros, talvez pelos mesmos motivos. Os crentes se sentem pecadores sujos, culpados, e são presas fáceis para os oportunistas. Além disso, passam a denunciar violentamente os demais "impuros", criando-se um clima de desconfiança mútua e estado policial. Amar o vizinho como a si mesmo, outro mandamento irrealista deste tipo. Enquanto isso, a famosa "regra de ouro", existente desde antes de Cristo, diz apenas para esperar ser tratado pelos outros como os tem tratado. Algo bem mais lógico e racional, além de uma boa regra de conduta, dispensando apelos religiosos. Muitos religiosos chegaram a reconhecer um passado negro de suas religiões, com mentiras, abusos, escravidão, tirania etc. No entanto, é curioso que vários crentes estejam "defendendo" suas religiões com base no argumento utilitarista. Aceitam boa parte das críticas, mas garantem que o mundo é melhor com elas do que sem elas, que o saldo é positivo para as religiões, depois de pesado os seus custos. E ainda usam como "evidência" as atrocidades perpetradas pelos ateus comunistas. Deixando de lado o fato de que muito no comunismo é típico de uma seita religiosa, resta o espanto de ver que esses religiosos se contentam em parecer apenas um pouco melhor que comunistas genocidas! Além disso, o argumento de utilidade, ainda que fosse correto, nada diz sobre a veracidade da crença. Pode algo útil, mas falso, ser glorificado? Os fins justificam os meios? Estranho um crente aderir a esta máxima. Por fim, é uma tarefa impossível calcular o saldo das religiões. Nem mesmo é preciso falar das guerras, terrorismo, perseguições, pedofilia, escravidão, Inquisição, Cruzadas ou sacrifícios humanos. Basta lembrar que é impossível calcular o estrago psicológico feito em milhões de crianças que crescem já com o sentimento de culpa incutido em suas cabeças. Como avaliar isso? Como avaliar o custo de oportunidade para as conquistas das religiões? Como seria sem elas? Quanto o obscurantismo religioso atrasou no progresso do conhecimento humano? Quantos Galileus deixaram de existir por medo das religiões? Quantos pensadores permaneceram calados por medo das religiões? O que o mundo perdeu com isso? Nunca saberemos. E não obstante tudo de positivo que os defensores das religiões mostrarem, sempre irá restar este lamentável fato: o mundo sofreu muito com o veneno religioso. E ainda sofre... Nota do Editor: Rodrigo Constantino é economista formado pela PUC-RJ, com MBA de Finanças no IBMEC, trabalha no mercado financeiro desde 1997, como analista de empresas e depois administrador de portfólio. Autor de dois livros: Prisioneiros da Liberdade, e Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT, pela editora Soler. Está lançando o terceiro livro sobre as idéias de Ayn Rand, pela Documenta Histórica Editora. Membro fundador do Instituto Millenium. Articulista nos sites Diego Casagrande e Ratio pro Libertas, assim como para os Institutos Millenium e Liberal. Escreve para a Revista Voto-RS também. Possui um blog (rodrigoconstantino.blogspot.com) para a divulgação de seus artigos.
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