Quando destitui os membros do Cetran (Conselho Estadual de Trânsito) sob a argumentação de que estavam invalidando sistematicamente as multas aplicadas aos veículos que desobedecem o rodízio implantado na capital, o governador José Serra fragiliza a credibilidade de todos os colegiados que atuam na administração pública. Os conselheiros ousaram contrariar o propósito arrecadador do Município e foram extirpados. O precedente está criado. Será difícil crer que os futuros membros do Cetran e de outros conselhos terão a liberdade necessária para desempenhar suas funções. Os conselheiros demitidos apenas entenderam que, não havendo sinalização indicativa de onde começa o “centro expandido”, onde vigora o rodízio, os motoristas invadem a área sem saber e acabam multados injustamente. Por isso, propuseram a colocação de placas nos pontos limítrofes, já que muitos veículos que trafegam por São Paulo são de outras localidades, inclusive distantes e os condutores não conhecem bem a cidade, mas são autuados. Uma vez sinalizado o local não haverá desculpa a quem for multado. Quem “furar” o fará consciente e merecerá a multa. O rodízio, por sua vez, se cumprirá, com a redução do número de veículos na área restrita. Se o objetivo é melhorar o trânsito, nada mais justo, embora não proporcione arrecadação. Se restar confirmado que a demissão dos conselheiros deu-se por conta da sua postura em relação às multas, lamentavelmente, todos os órgãos cujos membros dependam da nomeação e do humor do governador estarão com a independência funcional abalada, o que é ruim para os interesses da sociedade. Tais órgãos, com membros independentes e dedicados, é que fazem o equilíbrio entre a carranca burocrática do poder público e o cidadão que, sem eles, não terá a quem recorrer. Os governantes, que a cada quatro anos batem às portas do povo pedindo o seu voto, depois de eleitos, não deveriam se esquecer que estão investidos em função pública, de servir ao povo, não de penalizá-lo. O rodízio paulistano já é uma espécie de castigo ao dono de veículo, que paga impostos para trafegar todos os dias e é impedido de fazê-lo pelo menos uma vez por semana. E agora nem lhe deverá ser dado o direito de defender-se das multas! A mão-de-ferro do prefeito Gilberto Kassab – que chegou ao poder como vice de Serra e ficou na Prefeitura quando este migrou para o governo do Estado – torna-se cada dia mais conhecida do povo que nele não votou mas é obrigado a tolerá-lo. Se a população não contar com órgãos independentes e capazes de conter seus arroubos, será muito difícil. Espera-se que o governador José Serra, um homem que outrora sentiu na carne o peso do autoritarismo, não embarque nessa linha intransigente e que o Cetran seja apenas um caso isolado e para ele se encontre ainda uma boa e democrática solução... Nota do Editor: Dirceu Cardoso Gonçalves é tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo e dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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