O Brasil iniciou o ano novo sob a expectativa dos efeitos que a crise gerada pelo mercado imobiliário norte-americano poderá ter sobre a sua economia, em contraste com o otimismo gerado pelo crescimento superior a 5% registrado em 2007. Há dúvidas sobre a sua capacidade de se manter blindado contra as adversidades externas. Pesam a favor de uma posição otimista, o movimento recorde do comércio no Natal, o bom nível das reservas cambiais, a ampliação do volume de crédito e a auto-estima elevada por estudo recém-divulgado pelo Banco Mundial. Como se sabe, essa reconhecida instituição, ao tornar públicos os dados do Programa de Comparação Internacional (PCI), incluindo 146 nações, classificou a economia brasileira como a sexta maior do mundo. Por esse critério, baseado na paridade do poder de compra e não no valor nominal do PIB em dólares, o País também aparece como responsável por metade da economia da América do Sul e quase dois terços dos gastos governamentais no Continente. No entanto, a persistência de antigos vícios políticos acaba alimentando o ceticismo quanto à nossa imunidade à crise dos Estados Unidos. Exemplo disso foi a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que não proporá emendas constitucionais até o final de seu mandato. Ora, o crescimento sustentado não será atingido sem as reformas estruturais necessárias, que somente podem ser efetivadas por meio de emendas à Constituição. Estas exigem aprovação por três quintos dos parlamentares, em votação separada na Câmara e no Senado, sendo dois turnos em cada casa. Lula quer evitar as emendas, pois teme - depois de ver a CPMF ser derrubada no Senado - que novas derrotas na Casa, na qual não tem maioria confortável, possam lhe causar desgaste político. O presidente afirma que enviará apenas a proposta de reforma tributária, mas com a ressalva de que não é prioridade do governo. É bastante questionável essa postura anunciada pelo chefe da Nação, considerando que seu mandato terá ainda três anos, nos quais a ausência das reformas estruturais poderá custar muito caro ao Brasil e seu povo. Dificilmente a oposição terá a iniciativa de propor reformas mais profundas, também obstada pelo temor de uma derrota para a maioria governista no Congresso Nacional. Assim, em meio a esse jogo de interesses políticos, o Brasil deixa de fazer lições de casa fundamentais. O próprio presidente Lula perde oportunidade raríssima que a conjuntura histórica lhe dá de bandeja, de transformar seu segundo mandato num marco referencial do desenvolvimento brasileiro. A continuidade do aquecimento da economia global, a perspectiva de manutenção dos preços das commodities e os indicadores internos positivos oferecem ao governo a chance de promover todas as reformas até hoje postergadas desde a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, que, aliás, completará vinte anos em 2008. O presidente Lula, ao invés de ficar receoso com a rejeição da CPMF no Senado, deveria fazer do "limão uma limonada", cortando das despesas de custeio do orçamento de 2008 os 40 bilhões que deixarão de ser arrecadados com o fim da contribuição e adotando uma postura ousada de propor e se empenhar pelas reformas tributária, previdenciária e trabalhista, essenciais ao desenvolvimento sustentado. Ao abster-se dessa responsabilidade, o presidente será simplesmente mais um na galeria dos chefes de Estado brasileiros. Poderia, contudo, ao refutar a mesmice que se tem observado na política nacional, destacar-se como um estadista diferenciado na história brasileira, fazendo as reformas que os demais não ousaram tentar. O mesmo, aliás, aplica-se à presente legislatura do Congresso Nacional. Há hora para só fazer política, mas há momentos em que esta, acima de interesses partidário-eleitorais, tem de atender à sua real essência nas democracias, ou seja, constituir-se em ferramenta de legitimidade para a solução dos problemas e o desenvolvimento de um povo. Entre a visão comezinha da próxima eleição e o futuro do Brasil há uma imensa diferença de postura a ser adotada pelo governo e as oposições. Infelizmente, parece que nossos políticos, mais uma vez, estão optando pela primeira e desgastada alternativa. Nota do Editor: Antônio Leopoldo Curi é presidente da Associação Brasileira da Indústria de Formulários, Documentos e Gerenciamento de Informações (Abraform).
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