Certa manhã em que saí ao trabalho, uma série de acontecimentos inesperados e até hoje inexplicáveis me ensinaram que, além das fatalidades, há quem delibere sobre nós sem sequer desconfiarmos. Cheguei à avenida onde tomaria o ônibus, mas policiais, muitos deles, nos desviaram para ruas paralelas e, daí, à litorânea, longe dos transportes coletivos e onde proibiam-se também carros de passeio. Surpresos com tal aparato, perguntávamos sobre a razão daquilo, mas todos pareciam mal-humorados, ameaçadores até!, não bastassem os cães amestrados que rosnavam sem parar e o rasante de aviões furiosos. Após uma hora de caminhada, muitos pediam para descansar, mas os soldados ameaçavam os fracotes a baionetas. E quem alegava importante nome de família para se safar ouvia gargalhadas de escárnio. Mas tudo terminou ainda naquela manhã. Os policiais se foram sem explicar o que também não lemos nos jornais e nenhuma autoridade jamais confirmou: que, um dia, por algumas horas, nos sujeitaram por completo. Nota do Editor: Daniel Santos é jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de O Estado de S. Paulo e da "Folha de S. Paulo, no Rio de Janeiro, além de O Globo. Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
|