Habermas cunhou a expressão "esfera pública literária" para falar do processo em que "pessoas privadas reunidas em público" passaram a discutir sobre o que era lido e publicado, retirando das cortes a exclusividade da apreciação da cultura. Ao analisar este processo no livro Mudança Estrutural da Esfera Pública, ocorrido principalmente durante o século XVIII, Habermas mostra-nos que a polêmica literária vai conectar-se com a crítica política aberta feita pela burguesia contra o poder aristocrático e absoluto. A disseminação dos jornais e livros foram o meio para a consolidação de novos atores no mundo da cultura e da política. Estamos passando por um novo processo de alargamento da esfera pública, em um cenário em que as categorias, proposições e ideais da modernidade parecem cada vez mais fragilizados. Em paralelo a expansão do capital na sua fase pós-welfare state, alguns grupos sociais, primeiramente vinculados às atividades acadêmicas e técnicas, incorporaram a comunicação mediada por computador em seu cotidiano e, assim, fizeram as redes digitais encobrirem o planeta. O resultado mais representativo deste processo foi a Internet. Como rede das redes, a Internet, foi desenvolvida pelos seus usuários. Por não estar submetida às hierarquias de uma única empresa ou oligopólio, assegura a liberdade de criação de conteúdos, formatos e tecnologias. A Internet não é um produto, não está pronta e acabada. Nem se limita a um território. No seu interior está o ciberespaço, nele está um novo espaço desterritorializado que exigirá a construção de uma nova esfera pública e de novos direitos. É interessante notar que a Internet produziu uma cultura digital em escala mundial. Não estava dado, nem decidido que o digital rumaria para as redes. Bill Gates zombava da Internet, apostava nos Cds, nas enciclopédias fechadas, nas compra do copyright de tudo que acreditasse poder vender. Não por uma determinação natural, mas pela dinâmica própria dos grupos de usuários da comunicação em rede, pelas práticas colaborativas de sua vanguarda de recombinadores, principalemente pelo esforço dos hackers, a Internet venceu e trouxe todos para o ciberespaço. No ciberespaço, no mundo das redes digitais os intermediários estão em péssima situação. Por exemplo, a indústria fonográfica podia ter sentido no cenário industrial. Aparelhos caros para gravar, estúdios caros para prensar o master, uma verdadeira indústria para reproduzir a música em vinil ou CD, além disso, era necessário uma grande estrutura logística de distribuição dessas mídias pelas lojas espalhadas pelo país. Atualmente não tem sentido nem produzir nem distribuir músicas para CD. A Internet, o My Space, o Jamendo, as redes P2P, são a melhor forma de disseminar música, de tornar um conjunto ou artista conhecido, de adquirir reputação. Está acabando o papel da gravadora, do peso das Rádios, do famoso "jaba", na formação dos gostos. Não é a pirataria que está retirando renda das gravadoras, é a diversidade de opções que proliferam nas redes. Somente no repositório de músicas Jamendo temos mais de 6142 álbuns publicados em licença Creative Commons e mais de 220 mil membros ativos, a maioria músicos. Os gatekeepers da notícia também estão em questão. A palavra jornal que vem do latim diurnalis e lembra diário, jornada de um dia, deixa claro que a imprensa terá cada vez mais dificuldades em um mundo conectado. O tempo das notícias no mundo das redes não é baseado na jornada do mundo industrial. Um tanque norte-americano atacado nas montanhas do Afeganistão pode ser noticiado quinze minutos depois. Menos? Dez minutos? Uma declaração bombástica de alguma autoridade ilustre pode causar impactos quase que imediatos. O tempo e a velocidade do impresso não consegue acompanhar o ritmo imposto e exigido pelo capital financeiro. Os investidores apostaram nas redes informacionais e exigiram um ritmo do capitalismo informacional que desabilitou o jornal impresso como veículo de informação. A velocidade da rede é a velocidade da postagem daqueles que noticiam. Na rede todos podem postar. O que é notícia? Noticiar é uma atividade que somente pode ser desempenhada por um profissional capacitado para transformar seu olhar ou veredicto sobre um fato ou conjunto de fatos em algo publicável e socialmente tido com verdadeiro? Eu posso noticiar algo em meu blog? Comentar um acontecimento é apenas tarefa para um direitista e plantonista da Globo como Arnaldo Jabor? Ou outros direitistas e esquerdistas podem comentar com muito mais propriedade e profundidade? Notícia não é comentário. Certamente toda notícia traz algum juízo de valor, mas seu epicentro é o relato verdadeiro de um conjunto de fatos. Na rede, tanto a notícia quanto o comentário podem ser desempenhados pelos cidadãos em seus sites, blogs, fotologs, e nanoblogs, tal como o Twitter. O gatekeeper é, ainda bem, desnecessário. Quem quer acompanhar, por exemplo, a área de tecnologia de informação deve formar sua lista de blogs indispensáveis e assinar seu RSS. Quem quer cobrir o que está acontecendo em outras áreas precisa saber quais são suas principais listas de discussão, fóruns e blogs. Atualmente é impossível acompanhar com o mínimo de profundidade qualquer tema deixando de lado, os blogs de especialistas, empresas e comunidades. Nesse sentido, a rede subverteu o papel tradicional do jornalista. Ele agora, terá que ser um comunicador que disputa a construção da notícia com diversos cidadãos não-especializados em comunicação, mas nem por isso, menos comunicadores. Na rede, a reputação dificilmente poderá ser imposta, a audiência vem do mérito de cada postagem. As dificuldades dos jornais, são as dificuldades da esfera pública em um ambiente de redes. As democracias dependem de uma esfera crítica. A Internet é uma rede de comunicação transnacional. Ao invés disto ser um empecilho, pode ser o princípio da articulação de uma esfera pública transnacional. Uma esfera pública que cria um sentimento supra-nacional, de uma cidadania mundial para temas cada vez mais interligados. A blogosfera, hoje tipicamente intimista, específica, comportamental, é também cada vez mais política. Esta diversidade é fundamental para construirmos uma nova esfera pública, onde o peso dos grandes grupos de comunicação e a indústria do entretenimento tenham que disputar espaço com os cidadãos-publicadores. Para isso, a Internet precisa continuar livre.
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