Devo dizer ao meu caro leitor que a mim tem agradado muitíssimo a posição pública de crítica ao governo petista que tem adotado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, malgrado seus textos serem recheados do credo social-democrata e igualitarista que eu tanto abomino. Refiro-me aqui ao artigo publicado no Estadão do último domingo (“Apenas nomes ou reais alternativas?”). Com a sutileza que lhe é própria, mas com a coragem de dizer o que precisa ser dito, FHC renovou suas preocupações com os rumos do Brasil e da nossa democracia. Ele corretamente aponta o modelo político que está sendo posto em marcha pelo governo do PT e seus aliados: “O velho modelo monopolista de Estado ressurge das cinzas nos corações da velha direita e da ‘nova’ esquerda capitalista estatizante. Nada há de negativo na existência de empresas públicas. A Petrobrás é um bom exemplo, ou mesmo o Banco do Brasil. Mas elas funcionam adequadamente quando submetidas a alguma competição e quando as forças políticas - o governo e seus aliados - dão vigência à idéia republicana da separação entre Estado e governo. Quando às pressões político-clientelistas se soma a ganância de poder de um partido, como o PT, que controla os fundos de pensão das empresas públicas, e quando esses mesmos fundos se aliam às empresas ou agências do Estado para promoverem o cerceamento da competição entre empresas privadas, as distorções ficam preocupantes”. A palavra “preocupante” aqui, na sua postura diplomática, deve ser tomada como um grito de alerta. A posse de Edson Lobão no Ministério das Minas e Energias será talvez o emblema dessa simbiose da velha “direita” (o PMDB do “centrão” de Sarney e sua laia) com os sindicalistas que formam a espinha dorsal do governo Lula, ambos conduzidos pelos velhos quadros revolucionários oriundos do velho Partidão. Estamos a ver a recriação do modelo fascista intentado por Getúlio Vargas, no qual as corporações de ofício e as empresas estatais formam uma amálgama que descarta a democracia e aspiram ao poder totalitário, como vimos na Itália assim como na Alemanha no século passado. FHC conclui com muito rigor: ”Este amálgama espúrio entre interesses privados, interesses partidários e interesses corporativos pode dar sustentação a formas arbitrárias de exercício de poder. Pior, ele tem o condão de sensibilizar ideologicamente tanto a esquerda que o vê erroneamente como limitação ao capitalismo quanto setores autoritários de direita, que justificam tudo em nome da ideologia do Brasil-potência”. Não faço qualquer reparo a essa análise do ex-presidente. Penso que aqui foi cirúrgico. Mais ainda quando arrematou: “Acontece que todo modelo que tende ao monopólio e à concentração do poder é também concentrador de rendas e redutor de oportunidades. Sem falar das conseqüências políticas negativas para a alternância no poder que podem advir da utilização eleitoral (eivada de corrupção) de recursos gerados pelas superorganizações empresariais regadas com dinheiro público, aliadas ao governo. Mesmo porque é este o objetivo: a manutenção do mesmo grupo no poder para expandir ainda mais essa esdrúxula aliança entre o grande capital público e privado com os fundos estatais de pensão e com o sindicalismo dócil aos governos”. Só faltou FHC dizer que estamos caminhando para a ditadura aberta. Mas não precisaria, pois para bom entendedor meia palavra basta, ensina o velho ditado. O ex-presidente, todavia, não podia ser mais explícito, falou a palavra inteira. A alternância de poder corre perigo, a ditadura de partido único é uma ameaça real. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro (www.nivaldocordeiro.net) é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação Nacional de Livrarias.
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