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SEÇÃO
Crônicas
06/02/2008 - 16h20
De como o espírito se curva
Christian Rocha
 

Uma das coisas que eu mais gostaria de entender é por que o espírito se curva e se altera sem que nada de fato tenha acontecido. Quando digo “de fato” refiro-me a coisas que podem ser apreendidas com os sentidos, como quando chove e você sente a água no corpo, quando você vê dinheiro em sua carteira ou recebe elogios sinceros ou transpira intensamente depois de correr uma distância que você jamais correra.

E mesmo nestes momentos “algo” acontece além das coisas que realmente acontecem. Você não tem motivos sérios para se regozijar com o bom desempenho na corrida a não ser quando você é capaz de perceber esse desempenho num contexto maior — e perceber esse contexto exige um grau de abstração tal que a realidade parecerá menor ou sem importância.

*

Muita coisa acontece em minha cabeça e em minha alma. Há muitas coisas que eu não compreendo e que eu não assimilo e, por isso, muitas coisas permanecem no escuro, alimentando sobressaltos, dissabores e febres. Tenho sido capaz de viver apesar disso, com a crença de que se trata de algo humanamente comum e, portanto, aceitável. Mas cada vez mais isso perturba e, se não é bom perceber em outras pessoas esses sobressaltos, é ainda pior percebê-los em mim mesmo — a mim e em mim eles não parecem aceitáveis.

Pois hoje estou bem e amanhã não sei como será. Se hoje estou bem, tendo a dar graças às coisas pequenas e efêmeras por isso — como o dinheiro e a saúde — ou a coisas perenes e perigosamente íntimas como as que vão na minha alma e que naturalmente eu não compreendo.

Meu bem-estar está ligado a coisas que eu domino e que não têm transcendência ou a coisas que são transcendentes mas que eu não domino. Em outras palavras, não há nada em mim que aponte para o alto ou que me permita controle sobre mim mesmo — o que no fim das contas é a mesma porcaria.

O tigre só está sob controle porque a jaula é forte o suficiente. Posto em liberdade, ele nada faz além de caçar e dormir. É uma vida cretina e incompleta.

Vivo bem porque tenho sido razoavelmente bem sucedido na arte do auto-engano. Acredito com alguma sinceridade que eu mesmo me livro do mal e me mantenho afastado dele e acredito que pode haver sentido numa vida dedicada a discutir o desenho de maçanetas, a eficiência das dietas e a validade das crenças. Mas cada vez mais percebo que não há sentido nessa dedicação, ainda que tudo possa se resumir a trindades tão chinfrins.

*

Eu passo. Naturalmente, estas linhas enquadram-se na mesma categoria de choramingo em que se encontra toda a vida do homem comum — que inclui maçanetas, dietas e crenças. Por isso eu passo.


Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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