Eu quase tive quinze minutos de fama, como predisse Andy Warhol que aconteceria um dia com todos os habitantes do planeta. Para não ficar parecendo pedantismo, devo dizer aos leitores que lembrar de Andy Warhol é próprio de uma geração. Ficávamos extasiados com a ousadia das telas com ícones populares, latas de sopa Campbells e Marilyn Monroes coloridas, em contraste com os temas tradicionais da pintura. Quem estava entrando no universo mágico que era a FAU dos anos 60/70, (ainda deve ser) situava-se no limiar da produção artística do planeta, tudo o que havia era dissecado, desconstruído, desmontado, absorvido e reutilizado. No Brasil, Gerchman e Tozzi beberam da fonte e, como predisse o mestre, tiveram fama. Muito mais do que quinze minutos. Mas os meus novecentos segundos de fama devem-se a um episódio nada artístico, embora tenha ocorrido em ambiente revestido de arte. Aconteceu na Editoria de Arte da CGJ-SP, da qual eu era o titular e que ficava na Praça Marechal Deodoro, em São Paulo, por volta de 1985/1986, não sei ao certo. Estavam construindo a estação do Metrô, cavaram um enorme buraco que engoliu a praça, e durante semanas só se ouvia o bate-estacas. Bam... Bam... Bam... Bam... Dia e noite, o cronograma da obra era apertado! Cada estaca cravada produzia uma espécie de calafrio no prédio que abrigava a televisão. A pena que enfeita a cabeça das mulheres de Toulose-Lautrec oscilaria em uníssono, desta vez não para denunciar corações sifilíticos em pane. Nesse clima, nada propício ao trabalho, a vida seguia seu curso, todos estavam meio neuróticos com o barulho, se bem que na redação ser neurótico era regra. Me too. Uma noite, não consigo lembrar nem do dia nem tampouco do ano, estávamos recebendo o senador Romeu Tuma, na época Diretor da Polícia Federal, para ser entrevistado no programa "Bom Dia São Paulo". Na redação a única sala, que apresentava alguma privacidade era a Editoria de Arte, acanhada, porém isolada acusticamente. Um aquário, na verdade. O espaço pequeno tinha armários suspensos, o jeito encontrado para guardar mais do que cabia. Sobre a minha mesa, nas minhas costas, ficava o maior deles, cheio de fitas quadruplex, pesadas, fitas u-matic em quantidade, livros, mapas enfim material de trabalho. Devia pesar em torno de duzentos quilos. Parecia firme e forte, rijo como eu pensava ser a convicção política do PT, do qual eu era membro fervoroso e orgulhoso. Engano, assim como o poder abalou os ideais dantes propalados pelo partido, as pancadas do Metrô abalaram as buchas Fischer que tinham a missão de manter suspenso o tal armário. Naquela noite em que quase fiquei famoso, falei meia hora seguida com a minha mulher, estávamos saindo de viagem. Depois caminhei até a redação onde conversavam o chefe de reportagem Laerte Mangini, o delegado Romeu Tuma e Saulo Samos, Advogado Geral da União, poderosíssimo então. Laerte Mangini é um cavalheiro antes de tudo, com a imensa educação que sempre o caracterizou, perguntou gentilmente se eu poderia ceder a sala para o Dr Tuma telefonar. Eu obviamente concordei, abri a porta para ele e fiquei na redação na companhia do Dr Saulo, fazendo sala enquanto os estúdios não estivessem prontos para gravar as entrevistas. De onde estávamos, podíamos ver o delegado telefonando, a ligação não foi curta, durou pelo menos vinte minutos. A rodinha na redação aumentara com a chegada de Joelmir Betting. Terminado o telefonema o Dr Tuma juntou-se a nós e então o armário desabou sobre a mesa de onde ele saíra há pouco. A minha mesa! O impacto produziu um enorme estrondo e fez com que o delegado, por puro reflexo profissional, sacasse a arma. Se o desabamento tivesse acontecido momentos antes, teria matado alguém. Alguns minutos a vítima teria sido o Dr Tuma, uma hora teria sido eu e esta história não seria contada por falta de autor. Mas, certamente, eu iria aparecer no Fantástico e no Jornal Nacional, ainda que morto.
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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