Era preciso. O ovo. O oco. O outro. Era preciso a nudez da palavra. Os dois deitados no gramado da praça. Ela, a puta. Ele, o gigolô. E a eterna necessidade de dinheiro (para comprar o ovo, para tapar a fome, e o cigarro, para tapar o oco). Ela não era bonita. Ele não era feio. Tocava o telefone. E ela ouvia do outro lado "é Kelly?". Sim, era ela. Inácia era Kelly. Kelly era nome de guerra. Era preciso. Ela ia. Ele ficava na porta do motel à espera. Vinte minutos e ela saía. Abria a bolsa e mostrava o dinheiro. Dinheiro fácil naquele dia. Nos outros dias nem tanto. Um queria, o ânus. O outro, apanhar. E ela batia. Com gosto. Contava os detalhes para ele. E ele ria. Hoje foi um advogado. Ontem um pastor da Universal. Sério? Pode acreditar. Outro dia teve um que não gostou, não quis pagar, bateu nela. Ela puxou o canivete e cortou o cara. O cara gritou. Ela fugiu. Era preciso. Não há necessidade. Não há amanhã. Ela, bêbada, sentia amor por ele. E, como um homem-pai-irmão-companheiro, ele a deflorava. No corredor. Na curva. Debaixo. Os dois gozavam. E gozavam a vida, nas horas de fazer nada. E dormiam pouco. E fumavam. E viajavam. Era preciso. Suportar. Acordar. Falar. Pedir. Gritar. Brigar. Bater. Apanhar. Arreganhar os dentes. As pernas. E entrar. E sair. E dizer que aquilo era grande. E gostoso. Um dia, ele decidiu experimentar. Colocou o seu nome de guerra no jornal. À tarde alguém ligou. Uma mulher. Uma senhora. E ele se serviu. E serviu. E, como um ser vil, mentiu: a senhora é bonita! Quantos anos? Tudo isso? Não! A senhora está muito conservada... E ele quis continuar. No outro dia, um homem. "Eu e minha mulher, tudo bem?". Tudo. E foi. E os dois se deram. E os dois sugaram e se abriram. Contou para ela. Estranha experiência. Mas excitante. E o tempo foi ficando curto para o outro. O telefone clamava. Gritava. E ele ia. E ela ia. As semanas mais curtas. E ele se abria agora para todos os gêneros. E ela entrava em aventuras mais delirantes. Já não se amavam como antes: cansados operários clamam por mais sono. Um dia, ela pegou um ônibus e viajou. Ele, tonto de cansaço, dormiu na praça. Um bando de moleques veio e jogou gasolina. Ele ardeu. Um brilho na noite escura da cidade. E ela soube pelos jornais. Um homossexual assassinado. Jovens de classe média alta acusados pelo crime. Ela reconheceu um deles: dias antes, já havia apanhado deles e se cansado em definitivo. E mais um dia nasceu, cortando o ventre da noite.
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