A gente jamais deve se deixar levar pela sensação de que não pode mais ser surpreendido por nada. Está bem. O problema é que não sei como evitá-la, e tampouco conheço quem o saiba e que, portanto, possa me ensinar a técnica. Ainda que tentemos nos manter alertas para o fato de que alguém, em algum lugar, está nos esperando a fim de dizer algo estranho, quando a coisa acontece sempre somos pegos desprevenidos. Todo mundo já ouviu que o homem não foi à Lua. Essa é fichinha. Bush e Bin Laden são tremendamente trutas entre si e armaram aquele lance do 11 de setembro em conjunto com a Globo, a Veja e o Papa. A palavra forró vem de bailes que seriam "For All", enfezado é repleto de fezes e a feijoada foi inventada nas senzalas. A mistura manga com leite tem tanta má-fama por conta dos serviços de desinformação senhoriais. A AIDS é uma arma química desenvolvida pela CIA para liquidar as populações do Terceiro Mundo, mas vazou antes da hora. Esta última é bem engraçada: quem acredita nela também acredita que toda prosperidade é fruto da exploração dos pobres pelos ricos, e a gente fica sem saber por que catzo os ricos malvados quereriam abater a galinha dos ovos de ouro. Bem, tudo ótimo. Mas não é disso que estou falando. As mais bonitas teorias estapafúrdias são criações pessoais de apelo também meramente pessoal. Aí está o fino. Adoro todas. Vocês devem ter as suas, de estimação. Os antigos eram ótimos nisso. Hoje em dia, por muitos motivos, o pessoal não tem mais aquela energia criativa. Vejam só: Já lhes contei do Seu Altamir, dono da pensão em que morei, carpinteiro excepcional, taxista eficiente, administrador sensato e grande teórico do absurdo. Dele, guardo duas ou três idéias gerais que, inclusive, andei citando aqui, mas que por valiosas demais merecem ser repetidas com riqueza de detalhes. O sono que vale é aquele que se pode curtir durante o intervalo entre as 09:00 e as 11:00 da manhã. Pouco importa que se tenha dormido mal ou pouco entre as 01:00 e as 08:00, por exemplo, desde que se possa fruir da plenitude daquele horário branco. O homem que é homem deita-se no início da madrugada, porque antes precisa se informar, ver os gols da rodada, essas coisas. Para tanto, é necessário que encontre tempo onde encaixar a sesta matinal. Outra coisa: o segredo dos cabelos bastos são, na realidade, dois segredos: ao banhar-se, evite a água quente no cocuruto. Além disso, o tal cocuruto precisa ser massageado durante os banhos, preocupação que as laterais e a nuca dispensam: o travesseiro as massageia ao longo da noite, enquanto você dorme, sobretudo se lhe for possível tirar aquela soneca sapeca que precede o almoço. Mais: o efeito estufa é uma balela ridícula. Ri-dí-cu-la. Para provar-me isto, Seu Altamir fez-me sair à porta do quarto 08 para vê-lo caminhar até os fundos do estreito quintal da pensão, traçando com o dedo uma linha imaginária que se iniciava no batente de meus aposentos para terminar dez metros adiante, na maçaneta do quarto do Joel, espécie de sátiro que habitava o último cômodo. A linha representava a trajetória da Terra no Tempo, assim, tudo em letra maiúscula. Não sei quantos zilhões de anos. O período das medições que embasa as teorias do aquecimento antropogênico ocupa dois, no máximo três centímetros da linha, que é imensa como a própria eternidade. Portanto, não poderia servir para avaliar porcaria nenhuma, compreendem? Seria como dizer que as rugas que nos surgem na face aos quarenta anos sejam fruto do hábito de ingerir açaí com mussarela, adquirido aos trinta e oito e meio. Reconheço que o raciocínio é engenhoso. Mais do que isso: reconheço que, como leigo, não estava à altura de respondê-lo. É minha lenda urbana mais querida, porque tenho esperanças de que, por milagre (mas nem tanto, para ser sincero), seu sentido sobreviva às constatações que insinuam que seremos extintos porque uso desodorantes, os bois cujos bifes devoro peidam muito e ursos polares que sequer me foram apresentados não conseguem prender a respiração pelo verão todo. É muito comum encontrar sujeitos que reputam a determinadas marcas de cerveja propriedades assustadoras: Antarctica me dá dor de cabeça, muitos dizem. Essa é bastante velha e nem tem mais graça. Melhor são as do Donato, amigo do peito que tenho no Cambuci. Com ele, o buraco é mais embaixo. É o seguinte: o álcool seria vasodilatador e, portanto, capaz de curar qualquer dor de cabeça, já que todas as dores de cabeça consistem no congestionamento selvagem do fluxo natural de seus líquidos vitais. O problema é que seus vasos acostumam-se à dilatação de origem etílica, muito agradável, e quando você os priva desse luxo eles se entregam à justa revolta e espremem os fluidos que lhe são mais caros. Quando isso acontece, há apenas quatro saídas, sendo que as três primeiras são: você pode comer três cabeças de alho roxo com casca, cabo e tudo, estourar um baseado megalômano ou tomar aquela cervejinha no A&M, o que, convenhamos, é muitíssimo menos incômodo, perigoso e mais simples. A quarta opção é drenar logo a porra toda dos colhões, mas daí a tomar aquela cervejinha é um tapa. Donato também domina terrificantes técnicas culinárias e de conservação de alimentos. Ainda em fase de experimentação, mas já bastante avançado, meu chapa conduz um trabalho que está próximo de provar que o molho de tomate, se acondicionado na panela correta, condimentado com certas especiarias especialíssimas e submetido a admoestações noturnas seguidas de palavras ternas pela manhã pode atravessar eras inteiras sem se deteriorar, em constante reciclagem que lhe permite o reaproveitamento. Eras, senhores, depois das quais talvez deixe de ser molho, é verdade, mas será indubitavelmente comestível. Para quem estranhar a cor cinza esverdeada e o odor acre e poderoso, Donato já tem a resposta: se o Big Mac é de comer, meu molho também é. Touché. Há muitas outras teorias sem as quais minha vida seria menos interessante. Os meninos são sempre a cara do pai e as meninas, a da mãe. Se o goleiro ficasse no meio do gol, pegava todos os pênaltis (como se os chutadores não chutassem no centro justamente porque os arqueiros escolhem um canto e - coisa estranhíssima - como se os chutadores fossem incapazes de escolher qualquer canto caso o arqueiro opte pelo meio). Os carros franceses são ruins. Mais de dois Yakult por dia é encomendar a caganeira. Licor de menta broxa. A mulher, caso mantenha muitas relações sexuais, começa a lassear (essa é bastante estúpida e muito, muito grosseira, mas conheço poucos homens que não a levem a sério). Coca-cola pode servir como bronzeador. Sexo anal torna os glúteos flácidos (li isso numa entrevista do Wando, nos anos 80, acho). Se você não se masturbar a maior parte do dia, seu pênis não crescerá, mesmo que seu pé calce 52. Cinza de cigarro na cerveja dá barato. Cuecas samba-canção dão hérnia, cuecas tipo sunga dão câncer e andar sem cueca dá cadeia. Fanta Uva com Rocambole Seven Boys é congestão na certa. Tenho minhas próprias teorias. Todos temos. Estou convicto de que os jogos de RPG convertem seus praticantes em homicidas potenciais. Sem exceção. Para mim, está claro que largar o cigarro embota a mente dos que o fazem. Não, nunca fumei e tenho asma. Estou isento, portanto. Acho bom doar sangue porque cismei que assim ele engrossa, algo que equilibro bebendo hectolitros de limonada gelada sem açúcar, que é para espantar os pernilongos. E digo mais: quando chegar a hora, ninguém me impedirá de oferecer Malzbier à Jovem Esposa. Convenci-me de que, assim, ela produzirá mais e melhor leite. Outra convicção minha é a de que um homem tem que saber a hora de parar. Sempre dá certo. Desenvolvi teorias ótimas sobre o assunto e que, coisa louca, se podem demonstrar na prática. Para o alívio de todos, aliás. Olhem só: Pronto, acabei. Viram? Funciona que é uma beleza. Nota do Editor: André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.
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