Logo após a "Revolução", em 1964, eu não tinha muito interesse em política, estava pesquisando as peculiaridades do sexo oposto, mais curvilíneo, embora igualmente imprevisível. Eu era estudante da rede pública, que dizem os educadores modernos, ensinava errado. Na escola tinha acabado de chegar um professor novo, na verdade já meio velho, devia ter uns cinqüenta anos. Era de Pernambuco. Chegou fugido da "redentora", diziam ter sido ele colaborador de Miguel Arraes, naquela época sinônimo de tudo o que era ruim e não prestava. Estava em curso a Guerra do Vietnã, onde as batalhas mostravam enorme superioridade americana. No Estadão saia sempre o balanço de mortos e feridos, com a minha inocência juvenil eu tinha pena dos vietnamitas. Suas baixas eram terríveis, para cada americano morto havia centenas de orientais. O professor Fernando, o pernambucano, na contramão da idiotice reinante, abriu nossos olhos por via indireta, já que os dedos-duros pululavam na rede educacional. Propôs um trabalho de contagem das baixas da guerra, com base nas notícias do Estadão. Foi nesse momento que eu perdi um pouco mais da minha inocência, já fortemente abalada pela terrível descoberta da existência de uma pessoa dentro do Mickey. Durante dois meses comparamos os mortos no conflito, depois colocamos os resultados num quadro comparativo. O professor de matemática, que passava distraído, parou, olhou, coçou o queixo, fez umas contas e disse que se a guerra continuasse daquela forma, em vinte anos desapareceria a população do planeta. Isto é, se no mundo só existissem vietnamitas. Puxa vida, pensei, esses americanos são demais! Vinte anos depois o Vietnã ganhou a guerra. No Iraque, para cada americano morto há no mínimo setenta baixas nativas...
Nota do Editor: Sidney Borges é jornalista e trabalhou na Rede Globo, Rede Record, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo (Suplemento Marinha Mercante) Revista Voar, Revista Ícaro etc. Atualmente colabora com: O Guaruçá, Correio do Litoral, Observatório da Imprensa e Caros Amigos (sites); Lojas Murray, Sidney Borges e Ubatuba Víbora (blogs).
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