"Mesmo sabendo que é perigoso comprar remédios indicados por amigos, vizinhos, muitas pessoas ainda se utilizam desta prática e da automedicação regularmente", diz o oftalmologista Virgilio Centurion, diretor-clínico do IMO, Instituto de Moléstias Oculares (www.imo.com.br). Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifarma), todos os anos, cerca de 20 mil pessoas morrem no país, vítimas da automedicação. A maior incidência de problemas relacionados à prática está ligada à intoxicação e às reações de hipersensibilidade ou alergia. Muito comum entre os idosos, o hábito de se automedicar representa um risco iminente à saúde. Em geral, eles já apresentam doenças crônicas e fazem o uso de medicamentos recomendados pelos médicos. Ao usar outros remédios - receitados por amigos, parentes ou por conta própria - eles podem desestabilizar os tratamentos a que vêm sendo submetidos, assim como provocar uma intoxicação. "O perigo desta prática para a visão é grande. Muitas vezes, estes remédios não prescritos pelo oftalmologista causam novas doenças, mascaram os sintomas da real moléstia ou, ainda, não têm efeito nenhum, fazendo com que o incômodo e o mal estar do paciente persistam", explica o oftalmologista. Segundo Centurion, sem a devida indicação médica, a única coisa que se pode passar nos olhos é água limpa. "Os colírios, por exemplo, por serem vasoconstritores, podem levar a alterações cardíacas e elevação da pressão arterial. Um colírio chega a ter quatro princípios ativos. O mais perigoso deles é o corticóide, que, quando utilizado indiscriminadamente, colabora para o desenvolvimento de doenças como a catarata e o glaucoma", alerta o médico. Geralmente, essas complicações ocorrem depois de alguns anos do uso freqüente da medicação por conta própria. Colírio é remédio O aspecto inofensivo dos colírios e a facilidade de administração somados ao fácil acesso às drogas oftalmológicas nas farmácias são fatores de risco para a população. Segundo Centurion, no Brasil, embora haja regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a venda e propaganda de medicamentos que possam ser adquiridos sem prescrição médica, não há regulamentação nem orientação para aqueles que os utilizam. O fato de se poder adquirir um medicamento sem prescrição não permite o indivíduo fazer uso indevido do mesmo, isto é, usá-lo por indicação própria, na dose que lhe convém e na hora que achar conveniente. "Há de se combater a automedicação por meio de campanhas que alertem quanto aos perigos para os olhos e, conseqüentemente, para a visão do uso indiscriminado destas substâncias", diz o diretor do IMO. O uso de colírios com antibióticos de forma crônica e irregular pode, por exemplo, facilitar o aparecimento de mutações de bactérias que se tornam resistentes ao medicamento, o que torna o tratamento mais difícil. Os colírios vasoconstritores, que servem para tirar a vermelhidão dos olhos, são vendidos sem receita e estão no armário do banheiro de grande parte da população. Pingar um produto desses sem indicação, além de mascarar o verdadeiro motivo pelo qual o olho ficou vermelho - e que deve ser investigado - pode adiantar o aparecimento de catarata. "Esse medicamento faz com que os vasos sangüíneos, que estavam dilatados, se fechem. Passado o efeito, os vasos voltam a se dilatar ainda mais. É o chamado efeito rebote", explica o diretor do IMO. Se pingar um colírio comum com regularidade já é perigoso, usar aqueles indicados para doenças específicas é mais temeroso ainda. "Quando uma pessoa asmática usa por conta própria um colírio para glaucoma, por exemplo, ela pode desenvolver uma crise de asma", diz o oftalmologista, que explica que eles também podem causar sonolência e taquicardias. "O mau uso de colírios com corticóide, por conta própria, pode favorecer a formação de catarata e o aumento da pressão do olho, favorecendo o aparecimento do glaucoma", informa Centurion. Outro colírio perigoso é o anestésico. "Quando aparece um cisco no olho ou qualquer outra coisa, o anestésico alivia a dor completamente. No entanto, o abuso deste medicamento pode levar até à perfuração da córnea", afirma o oftalmologista. O colírio lubrificante, que possui várias indicações, apresenta muito menos efeitos colaterais em comparação com os outros. "Ainda assim, é preciso orientação médica porque, ele contém conservantes e há o risco de provocar uma conjuntivite alérgica", explica o médico. Outro detalhe que quase não é levado em conta pela população é a validade do colírio. É preciso ter cuidado: quando termina o prazo de validade, "o remédio começa a ficar cheio de bactérias", alerta o oftalmologista. Pomadas também devem ser prescritas pelo oftalmologista. "Muitas pessoas, no afã de aliviar uma coceira ou um ardor nos olhos aplicam pomadas anti-alérgicas destinadas à pele nos olhos. Atitude equivocada e perigosa que pode mascarar doenças e provocar uma alergia ocular", afirma Virgilio Centurion. O diretor do IMO também destaca a facilidade que a população encontra hoje para adquirir lentes de contato, sem a devida prescrição médica. "Hoje, é possível comprar lentes de contato em óticas, pela Internet, sem nenhuma fiscalização e controle. Esta atitude também pode entrar no rol da automedicação, pois em muitos casos, estas lentes não prescritas pelo oftalmologista causam lesões irreversíveis aos olhos dos usuários", alerta o médico. Conjuntivite de verão No verão, por causa do aumento da freqüência em piscinas e praias, irritações oculares comuns e mais casos de conjuntivite costumam ser registrados. A conjuntivite viral, por exemplo, é mais freqüente no verão em decorrência do calor e da umidade. Neste período, a automedicação também é maior. Aparentemente uma doença comum e de fácil tratamento, a conjuntivite deve ser tratada de maneira individualizada. "O remédio que a sua tia usou para tratar a conjuntivite dela certamente não servirá para toda a família. Nos casos de conjuntivite causada por agentes patógenos de alta-virulência, se a infecção não for tratada com o antibiótico correto pode se transformar numa úlcera de córnea ou até mesmo numa perfuração do globo ocular com cegueira irreversível", explica a oftalmologista Sandra Alice Falvo, que também integra o corpo-clínico do IMO. Mesmo entre as conjuntivites, que podem ter diversas causas, existem diferentes indicações. Se ela é alérgica, é recomendado o colírio antialérgico; se é bacteriana, o colírio antibiótico; se é viral, pode ser indicada apenas a lágrima artificial ou um colírio antiinflamatório. "Conjuntivites mal tratadas e automedicação causam a ceratite, uma inflamação na córnea. Portanto, apenas o oftalmologista pode prescrever o medicamento adequado a cada caso", afirma a médica. Sandra Alice Falvo não faz concessões nem aos remédios naturais e receitas caseiras. Até mesmo o uso de fitoterápicos e de vitaminas deve ser informado ao médico. O ideal é que o paciente faça um resumo de todos os medicamentos que está tomando ou leve as caixinhas deles para que o médico saiba tudo o que está se passando com o paciente de forma global, antes de prescrever um novo medicamento. "Todos os medicamentos, sem exceção, têm efeitos colaterais e podem provocar riscos à saúde. O mais seguro é procurar o oftalmologista para tratar do seu incômodo ocular. Amigos e vizinhos devem ser consultados sobre outras questões", conclui. "A automedicação é um problema universal, antigo e de grandes proporções. Há, contudo, meios para minimizá-la. Programas de orientação para profissionais de saúde, farmacêuticos, balconistas e população em geral, além do estímulo a fiscalização apropriada são fundamentais nessa ’luta’", defende a médica.
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