O leitor pode imaginar a mesmice que seria um campeonato de futebol disputado sem um regulamento que determinasse como seria a contagem de pontos, se haveria turno e returno, ou jogos eliminatórios, ou que não estabelecesse os critérios de desempate? O mínimo que podemos pensar é que não passaria de um conjunto de jogos amistosos, em que as equipes não teriam objetivos maiores a serem perseguidos, a não ser exibir-se para a torcida e, se possível, vencer os jogos... Pois as eleições em nosso país são assim: confraternizações realizadas a cada dois anos, em que os partidos entram na contenda sem terem previamente estipulado uma indispensável agenda, em termos de programas coordenados de ação a serem seguidos em caso de vitória. Não é por outro motivo que, entra governo e sai governo, a essência das coisas não muda e o cidadão continua sendo explorado pelo Estado: se for da chamada classe média, por uma brutal e estúpida carga tributária; se for empresário, pela mesma extorsão fiscal e por encargos que transformam a sobrevivência de seu negócio em ato de heroísmo; e, se for pobre, pela crueldade das filas em hospitais e postos de saúde, pela maldade de um sistema educacional que é um dos piores do mundo, pela perversidade da falta de saneamento, pela iniqüidade de um vetor de transportes que é um exemplo de ineficiência e pela malvadeza aterrorizante da violência, entre outras constatações que povoam nosso cotidiano. Mas ano de eleições é sempre repleto de promessas e juras de amor aos eleitores. A maioria dos candidatos, naquele ridículo horário gratuito que nos é pespegado e apresentado como um hino à democracia - quando, na verdade, é um debochativo desfile de mentiras anunciadas -, apresenta a mesma parlenda (conversa fiada): menos impostos, melhorias na saúde, educação, habitação, saneamento e transportes, mais empregos e combate à violência. Quero crer que alguns até sejam sinceros, mas, como não há partidos com agendas programáticas mínimas, que sejam claras para o eleitor e esbocem pelo menos amostras da doutrina abraçada pela agremiação e, mais do que tudo, que sejam cumpridas à risca em caso de vitória eleitoral, as eventuais boas intenções não têm como germinar. Um exemplo de desrespeito às doutrinas é o do próprio PT que, na oposição, rugia contra a ortodoxia do Banco Central, bradava contra a dívida interna e clamava contra a flexibilidade cambial e que vem fazendo tudo ao contrário (para sorte do país) do que pregava. Como confiar em um sistema político carente de preceitos, que torna pardos todos os gatos e que conduz os eleitores - em sua maioria, desprovidos de condição intelectual de análise - a votarem em pessoas e não em idéias, a escolherem pelo carisma individual, sem perceberem o sofisma geral? Somos, infelizmente, um país sem idéias, em que prevalece sempre o empurrar com a barriga, em detrimento do matutar com o cérebro! Enquanto isto não mudar - e é um caminho difícil, porque requer muito tempo, exige alterações culturais que só serão atingidas mediante atenção para com a qualidade da educação - continuaremos a dar voltas em círculos, sem chegar ao futuro que - dizem - a História nos reserva. A agenda para o conserto desse verdadeiro manicômio de idéias desencontradas deve começar por uma reforma política que valorize a doutrina de cada agremiação, seja qual for seu matiz ideológico e que puna o toma lá dá cá das negociatas por apoios em troca de cargos, de que já estamos fartos. Deve prosseguir com o estabelecimento claro de quais devem ser as funções do Estado, para que, uma vez fixado o seu "tamanho" e, conseqüentemente, quanto nos vai custar, se quantifique o montante de receitas para que possa funcionar. A partir disto - e somente a partir disto! - é que se poderá realizar uma reforma tributária profunda, ao mesmo tempo capaz de desonerar a produção, incentivar o emprego e manter o poder público. Deve contemplar, evidentemente, uma atenção maior para com o federalismo, ou seja, promover a descentralização política, econômica e administrativa, retirando a concentração de poder de Brasília e espargindo-o entre estados e municípios, porque isto gerará enormes ganhos de eficiência, em benefício de todos. O leitor vislumbra alguma dessas reformas? Não é pessimismo, é pura lógica: sem agendas, não importam as parlendas e nem quem vença as contendas, o Brasil vai ficando para as calendas... Nota do Editor: Ubiratan Iorio (www.ubirataniorio.org) é Doutor em Economia pela EPGE/FGV. Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ (2000/2003), Vice-Diretor da FCE/UERJ (1996/1999), Professor Adjunto do Departamento de Análise Econômica da FCE/UERJ, Professor do Mestrado da Faculdade de Economia e Finanças do IBMEC, Professor dos Cursos Especiais (MBA) da Fundação Getulio Vargas e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Coordenador da Faculdade de Economia e Finanças do IBMEC (1995/1998), Pesquisador do IBMEC (1982/1994), Economista do IBRE/FGV (1973/1982). Presidente-Executivo do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP). Diretor-Presidente da ITC - IORIO TREINAMENTO E CONSULTORIA.
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