Ginecologista, psicóloga, sexóloga, mãe-de-santo alguma explicaria. Que se elaborasse, então, um tratado, porque os orgasmos de Clarissa caberiam em qualquer estudo refinado de academia. Era bela, sensual, aberta e, por vezes injustas, tachada de frígida. Verdade é que descobrira, vinte e poucos anos, dúzia de namorados tendo passado a seu lado, que uma única condição a levava aos céus na cama: a maternidade.

Ela contava ali nos dedos: dois orgasmos, dois filhos. No desconcerto, fora alterando namoros, a ver se incendiava não só desejos, mas sobretudo os sentidos do corpo. Para bem ou para mal, pontuava tudo na agenda cor-de-rosa - uma borboleta estampando a capa - que trazia consigo desde os tempos de adolescência. Estava lá: inconcluso... quase... nada... raspando... vale a pena tentar de novo...

Os detalhes metodicamente revelando o que era ainda mais grave. Beirando os 30 anos, cinco crianças em casa, nenhuma de relacionamento duradouro ou formal. Pior: jamais flagrara sequer leve sincronia entre amor e gravidez. Clarissa se achava, no fundo, a mais estranha das mulheres. Amara intensamente por tantas vezes, mas só encontros a esmo haviam desaguado em clímax, gozo vulcânico.

Tudo em circunstâncias tão bambas - o fim de Carnaval, sob a cachoeira, na Serra do Cipó; a noite fortuita de vinhos e queijos em viagem a Bariloche -, que se perguntava se aquilo era uma maldição ou uma bênção. Sofreu, não vislumbrou argumentos que a convencessem, e, perto dos 40 anos, contava nove descendentes sob o mesmo teto. Todos de pais, diria melhor, homens, diferentes.

É ela ao tarólogo, à quiromante, à hipnose, ao templo dos Hare Krishna, suplicando-lhes por uma DNA da alma. Houvesse outras gerações, que mal fizera nas já vividas, a ponto de carregar tamanha cruz? Saiu, quando não sem respostas, levando a síntese de que cada um desenhava seu próprio destino. E pronto! Ah, não se daria por satisfeita. Voltou a peregrinar dos consultórios de médicos de grife a sessões de sexo tântrico. As equações simplesmente não fechavam.

Daí radicalizou. Declarou-se em abstinência. Evitou roupas que a tornassem ainda mais atraente. Dessexualizou seios, coxas. Enveredou pela cafonice estética, para não chamar a atenção masculina, e desviou de eventos que resvalassem na menor centelha de sensualidade. Não ia mais a festas, banira álcool por inteiro, incluindo o amado champanhe. Ao mínimo lampejo de paquera, estabeleceu anos sabáticos pela frente. Lembrava votos de castidade.

Três anos já se haviam passado. Ela irredutível. E infeliz. Estampava uma tristeza encruada até no jeito de andar. Dava os passos mirando o chão. E foi assim que aconteceu. Saída do cinema, autômata, esbarrou em Francisco. Olhos nos olhos, os hálitos se compartindo, intuiu: se existia amor à primeira vista, aquilo era sua tradução. Papo longo, manso, taças de vinho, e estariam logo se enroscando à cama. A melhor transa em toda sua vida. Carinhosa, instigante, avassaladora e, ai meu Deus, ai meu Deus, cinco, cinco orgasmos...

Nota do Editor: Eduardo Murta é jornalista, autor de "Tantas Histórias. Pessoas Tantas", livro lançado em maio de 2006, que reúne 50 crônicas selecionadas publicadas na imprensa. É secretário de Redação do jornal Hoje em Dia, diário de Belo Horizonte. Já teve passagens também pelos jornais Diário de Minas e Estado de Minas, além de Folha de S.Paulo e revista Veja. É um dos colunistas do Hoje em Dia, onde publica às quartas-feiras.